Fatores Relevantes da Psicoterapia com Usuários de Drogas
Felipe Stock Tomasi*
Resumo
Este artigo pretende contribuir para a reflexão sobre o uso de drogas e o seu tratamento. Aborda a droga no mundo atual e algumas técnicas psicoterápicas vigentes. Os aspectos abordados são: o início do tratamento e suas peculiaridades, o papel da família como agente terapêutico, a Entrevista Motivacional e a Prevenção da Recaída como técnicas para o êxito do processo e o projeto de vida do cliente. Para ilustrar a temática, é apresentado o relato de um caso clínico.
Palavras chaves:
Psicoterapia; drogas; cognição; motivação.
Abstract
This article intends to contribute for a reflection on drug use and its treatment. It approaches the drug in the current world and some psychotherapy techniques. The beginning of the treatment and its peculiarity, the family as therapeutical agent, the Motivation Interview and the Relape Prevention again one as techniques for the success of the process and the project of life of the user. E to illustrate the thematic it is, reported a clinical case.
Descriptors
Psycotherapy; drugs; cognition; motivation.
I - Introdução
O uso de drogas é um dos maiores problemas enfrentados pela sociedade atual, atingindo todas as culturas em diferentes camadas sociais. Esse consumo, por si só, causa grandes danos à comunidade, fortalecendo a criminalidade, a violência, a corrupção, o poder paralelo aos governos e outros tantos de gravidade próxima. O uso de substâncias já faz parte da sociedade há milênios, existem achados de jarras com resíduos de vinho que datam de 5400 a.C. (Sielski, 1999). Porém nunca houve um consumo tão elevado e diversificado de tóxicos como os dias de hoje. Os meios de comunicação, quase que diariamente, noticiam fatos relacionados com o consumo de substância psicoativas, parece-nos que estamos enfrentando uma epidemia dessa prática.
Esse assunto torna-se mais alarmante devido ao aparecimento contínuo de novas drogas. Tais substâncias são modificadas por cientistas, chamados projetistas de drogas (drug designers) em laboratórios clandestinos, contendo um maior potencial de intoxicação e dependência. Possuem baixo custo, o que facilita sua distribuição, não possuindo nenhuma utilidade para área médica. Uma das drogas do gênero bastante conhecida é o "Ecstasy". Outro exemplo do refinamento das drogas é a maconha usada atualmente, pois nos anos 60, o teor de THC (tetrahidrocanabinol), princípio ativo da maconha, variava de 2% a 4%. Ao longo do tempo, foram elaboradas outras formas de produção dessa droga, com o intuito de elevar o teor da substância, como o haxixe, o "skunk", entre outras. Atualmente, existe a maconha modificada geneticamente, que aumentou em 18% o percentual alucinógeno (Cavalcante, 1997).
Devido à sua grande abrangência, o assunto tem bastante repercussão social, e, por conseqüência, uma constante presença nos meios de comunicação. Nos telejornais ou nas próprias novelas, o tema, geralmente, está presente. Entretanto, muitas vezes, o assunto é tratado de forma sensacionalista pela mídia, ou supervalorizado por grupos de músicos para obter "status". Um exemplo são as bandas de "rock" que fazem apologia ao uso da maconha. Dessa forma, o público recebe mensagens distorcidas sobre o problema. Essas mensagens são utilizadas por usuários de drogas para justificar o uso ou como maneira de atrair novos consumidores ao seu grupo. Expressões como "maconha é uma droga natural, por isso não pode lhe prejudicar", ou "todo mundo usa drogas", são comumente pronunciados por usuários de substância no início da psicoterapia ou para o grupo familiar.
A propaganda realizada por pessoas que usam e vendem a droga é bastante intensa, embora não apareça nos meios de comunicação de massa, podem ser tão poderosos quanto. Este marketing é realizado pelo boca-a-boca. Personalidades importantes que usam ou pessoas da comunidade que utilizam há algum tempo, são exemplos perfeitos para demonstrar que o uso de drogas não acarreta nenhuma perda significativa para o indivíduo. Outras maneiras de se transmitir essas idéias, no grupo de adolescentes, por exemplo, são frases como "tu é careta se não usares" ou "vamos usar para nos divertir", expressões comumente referidas para induzir os jovens. Essas idéias passam a ser tão habituais ao longo do tempo, que se tornam verdades absolutas e inquestionáveis.
É fundamental, no início do tratamento, salientar ao usuário que o uso de drogas é um problema de saúde mental e física, que apresenta uma série de prejuízos e comprometimentos devido ao seu consumo, sendo considerada como uma doença crônica, como diabetes, entre outras (Leite, 2001).
Dentro das famílias, em geral, o tema é abordado como sendo uma falha no caráter, que são pessoas sem moral. Esta postura não contribui em nada para o tratamento, pois os familiares crêem que "é só querer, que ele consegue". Via de regra não há uma avaliação correta da dimensão que a droga ocupa na vida do indivíduo. Essa linha de pensamento esta centrada na moralidade, algo que dominava o pensamento na área da saúde até poucos anos atrás. Nesta perspectiva, o adicto é uma pessoa que não tem "fibra moral" para resistir à tentação.
A Organização Mundial da Saúde apresenta uma definição clara e abrangente sobre a questão, compreendendo o uso de drogas como:
um estado psíquico e físico resultante da interação entre um organismo e um produto. Essa interação caracteriza-se por modificações do comportamento e por outras reações que obrigam fortemente o usuário a tomar o produto contínuo ou periodicamente, com o fim de encontrar os efeitos psíquicos e, às vezes, evitar o mal-estar da privação (Bergeret e Leblanc, 1991, p. 63).
O problema é bastante abrangente e causa prejuízo em todas as instâncias do Estado. Afeta os indivíduos e seus familiares, os vizinhos e a comunidade em que vive. Segundo a Secretaria Nacional Antidrogas - SENAD (Leite, 2001), os custos da dependência incluem gastos de toda a ordem, pessoais, familiares, do sistema de saúde, do sistema judicial, dos serviços policiais, sendo um peso importante no orçamento da nação. Tratar a dependência significa investir para a redução desses gastos.
O leitor leigo no assunto pode acreditar que as informações apresentadas nesse artigo estão longe de nossa realidade ou pensar que são opiniões exageradamente pessimistas. Porém estudos sérios realizados indicam um crescente consumo de drogas, principalmente, entre as crianças e os adolescentes, além de identificar outros dados alarmantes sobre a temática. Jaber e André (2002, p. 2) confirmam esta problemática afirmando "que pelo menos dois terços da população americana acima de 14 anos consomem álcool e 7% dos adultos podem ser considerados bebedores pesados". O Brasil ocupa o terceiro lugar mundial em consumo e produção de bebidas alcoólicas, sendo o maior produtor de bebidas destiladas.
É fundamental mobilizar a sociedade para combater este problema que aflige, direta ou indiretamente, todas as famílias. Algumas medidas facilitam esta conscientização. Procurar informações e auxílio nos órgãos responsáveis, em instituições ou centros especializados no assunto são formas de obter uma condição de vida melhor para todos.
II - Psicoterapia com usuários de drogas
Devido ao seu caráter crônico e recidivante o problema é grave e envolve múltiplos fatores em sua etiologia. Fatores psicológicos, sociais e fisiológicos influenciam no papel da produção do comportamento do usuário. Por isso, o enfoque do tratamento também deve ser eclético, tentando auxiliar o indivíduo em suas inúmeras áreas de atuação. Os cuidados advêm das diferentes áreas do saber, como, a psicologia, a psiquiatria, a enfermagem, a assistência social, a educação física, entre outras. Diferentes ferramentas terapêuticas devem integram este apoio, tais como os grupos de auto-ajuda como os Narcóticos Anônimos e as comunidades terapêuticas.
É importante ressaltar que o usuário, via de regra, não procura o tratamento por estar convencido de que esta lhe traga algum prejuízo. Geralmente, quando o usuário o faz, é por pressões familiares ou devido aos acúmulos ao longo da vida de problemas e prejuízos causados pelo consumo de substâncias. A SENAD (Leite, 2001) relata que os principais motivadores da busca do serviço de assistência para uso de drogas são as complicações orgânicas, ocupacionais, interpessoais, legais, financeiras ou psiquiátricas.
A questão fundamental para discutirmos esse assunto é saber por que tratar. O tratamento de usuários, como conhecemos hoje em dia, já possui um longo percurso, que foi da punição com agressões físicas ao entendimento de vários processos cognitivos da patologia. Scott e Mark (1994) afirmam que, nos últimos 10 anos, o papel dos fatores cognitivos na adicção tem sido visto com crescente interesse. Os modelos antigos da doença compreendiam os dependentes como sofrendo de uma doença que limitava seu controle sobre suas próprias ações. Este modelo está sendo substituído por um modelo de autocontrole, que salienta a contribuição do indivíduo através de seus pensamentos e ações na sua dependência das drogas.
Marlatt e Gordon (1993) afirmam que as intervenções terapêuticas eficazes devem diferenciar entre a abordagem inicial da mudança comportamental e sua manutenção ao longo do tempo, acomodando ambos os componentes, para que isto resulte em uma mudança pessoal duradoura. Ter consciência dessa simples diferença no tratamento é de fundamental importância, pois na grande maioria dos casos o não reconhecimento dessa divisão gera atraso na terapia, perda de tempo e erro de foco terapêutico.
Segundo Ramos e Bertolote (1997) "para a maioria das pessoas é relativamente fácil mudar temporariamente qualquer comportamento indesejado. A manutenção dessa mudança, no entanto, é tarefa bem mais complexa e difícil" (p.173).
Esta idéia está embasada no entendimento que os comportamentos adictivos são vistos como hábitos hiperaprendidos que podem ser analisados e modificados do mesmo modo que outros hábitos (Marlatt e Gordon, 1993). Por isso, o treinamento de habilidades deve ser uma prática constante dentro da terapia, respeitando a necessidade e capacidade de cada indivíduo.
A seguir são expostos alguns fatores importantes que devem ser abordados na psicoterapia com usuários de droga, como o início da terapia, a família do usuário, técnicas motivacionais, prevenção da recaída e o projeto de vida.
III - Os primeiros contatos
Realizar a avaliação detalhada do caso consiste em uma tarefa importante do terapeuta cognitivo no início do tratamento. Este processo torna o trabalho centrado nos problemas do usuário, pois em geral, ele tende a focalizá-lo em outras pessoas. Jaber e André (2002) afirmam que, para que o tratamento seja bem sucedido, a primeira coisa que um profissional de saúde deve ter em mente é a importância de se saber identificar e abordar adequadamente o cliente.
Ramos e Bertolote (1997) afirmam que a correta identificação dos problemas e a realização do diagnóstico multiaxial dos pacientes representam, não só uma importante contribuição à nosografia do drogadicto, como também um elemento fundamental para a planificação de estratégias de intervenção preventivas, terapêuticas e reabilitadoras. Além disso, permite a sua mais eficiente monitorização e avaliação.
A história clínica do paciente dependente deve conter algumas informações essenciais. As drogas previas e atualmente utilizadas, se há consumo simultâneo de álcool, quais as vias de uso atuais e anteriores e a quantidade consumida comumente. As informações sobre o consumo devem ser recolhidas paralelamente à história de vida do paciente, sugerindo determinado contexto que contribuíram para o uso de drogas. Outro fator de identificação é a combinação de fatores da vida do sujeito que facilitaram ou mesmo propiciaram o início do consumo, sua progressão, o surgimento dos prejuízos relacionados, a busca de tratamento (Leite, 2001).
Se o terapeuta e/ou o paciente não sabem onde estão, torna-se difícil planejar como chegar ao local idealizado. Algumas vezes, as pessoas deixam de mudar porque não reconhecem sua situação atual. A avaliação e o conhecimento claro sobre a situação presente é um elemento essencial para o processo de mudança. Por isso realizar o diagnóstico multiaxial, a tríade cognitiva de Beck e o diagrama de conceitualização de caso com o paciente é fundamental para a escolha das técnicas a serem utilizadas e os rumos que a terapia deve seguir.
É importante ressaltar que as taxas de comorbidade no abuso de drogas ou dependência química e outros transtornos mentais, têm se mostrado elevadas, sendo comumente diagnosticados nos centros de tratamento (Pulcherio e Bicca, 2002).
Outro fator que o terapeuta deve estar atento no início do tratamento é estabelecer um bom vínculo com o cliente, para que a confiança possa crescer gradativamente. Existem inúmeros fatores que auxiliam para que este processo ocorra, como, empatia, cordialidade, respeito, escuta reflexiva, atenção aos detalhes do relato do cliente e competência em avaliar. O entendimento claro da sintomatologia do cliente, saber os jargões que o seu grupo utiliza, entender seus prazeres, completam o modelo para conseguir uma vinculação que gere bons frutos terapêuticos.
O contrato deve ser detalhado e bem explicado, para não suscitar nenhum mal entendido, tanto para o paciente, quanto para a família. Avaliar e conscientizar o paciente sobre as reais expectativas e crenças em relação ao tratamento, pois a probabilidade de recaída é aumentada se o indivíduo mantém expectativas supervalorizadas quanto à facilidade de se livrar das drogas. Segundo Marlatt e Gordon (1993) a recaída acontece devido a "sedução da gratificação imediata da droga que se torna a figura dominante na área perceptiva, enquanto a realidade das conseqüências totais do ato é negligenciada" (p.36).
Durante as combinações iniciais, o psicoterapeuta pode sugerir ao usuário que ele se integre a um grupo de mútua-ajuda (A.A. ou N.A.). Estes grupos são agentes operacionais na recuperação e reinserção social dos dependentes de drogas, atuando ainda na reestruturação familiar (NAR-ANON) e na prevenção à dependência. São reuniões que se caracterizam pela informalidade e têm como propósito a troca de experiências. São constituídos por leigos e voluntários, não possuindo qualquer ônus para a comunidade e a sociedade em geral. (Ramos e Bertolote, 1997)
IV - Família
Considerando-se que a etiologia da dependência química é multicausal e que a maior parte dos dependentes químicos mantêm vínculos familiares, torna-se necessário associar a prevenção ao uso de drogas com o contexto familiar, sendo fundamental que a família participe ativa e funcionalmente nesse processo (Hintz, 2002).
Segundo Miller e Rollnick (2001)
"Os fatores sociais e culturais afetam as percepções que as pessoas têm de seus comportamentos, bem como sua avaliação de custos e benefícios. Por isso, mesmo em diferentes zonas e grupos sociais dentro de uma mesma cidade, as pessoas podem ter visões muito diferentes quanto aos prós e contras de um comportamento". (p. 54).
Os fatores de aprendizado social e de modelagem, como aprender por observação, exercem uma forte influência, por exemplo, no uso de drogas na família ou no grupo de amigos, juntamente com a exibição ampla do uso de drogas nos anúncios e meios de comunicação, facilitando a manutenção do comportamento adicto. (Marlatt e Gordon, 1993)
Por isso podemos entender porque a família tem um caráter tão importante, talvez, vital para o bom andamento da terapia. Quando o grupo familiar entende o que é dependência química e as conseqüências que advêm da drogadicção, eles auxiliam o terapeuta no tratamento, ganhando este, um forte aliado para combater a drogadicção.
Os familiares devem ter em mente que a tarefa de ajudar um membro da família a cessar o uso de drogas constitui-se de uma empreitada complexa, que deverá necessitar de coragem e persistência. Eles terão que mudar seus comportamentos em inúmeros aspectos, como seus hábitos e crenças a respeito da droga, impondo os devidos limites para o usuário. Promover exemplos saudáveis também se constitui de uma prática importante.
O grupo de apoio primário auxilia tanto para corroborar informações obtidas junto ao paciente, como para investigar fatores familiares que possam estar contribuindo para o consumo. A entrevista com um familiar fortifica o estabelecimento de uma rede de suporte que ajude o paciente em seus primeiros passos no processo de abstinência (Leite, 2001).
Barcelos (2000) afirma que os familiares não têm poder para, de forma rápida, fazer seu filho deixar de usar drogas. A reação natural, então, é acreditar que seja sem-vergonhice, mau-caratismo, falta de força de vontade ou influência das más companhias. Os filhos alimentam essas crenças distorcidas nos pais, fazendo seguidamente juramentos de que pararam com as drogas, com o intuito de começar tudo de novo.
Por vezes a família assume a responsabilidade por tudo que está ocorrendo. Todos procuram fazer algo para contribuir com esta problemática, sem sucesso. A família precisa ter consciência de seus papéis, procurar grupos de familiares de dependentes (NAR-ANON), pois há necessidade de monitorar de forma efetiva o usuário, suas circunstâncias e seus comportamentos. Isto protege o dependente e a própria família, tornando o processo menos dolorido. Com esse objetivo em mente, cada membro da família age de modo coordenado, não sendo alvo fácil da manipulação do usuário.
Michel (2000) afirma que educar os pais é imprescindível. As escolas de pais que já se têm organizado, podem desempenhar uma ação verdadeiramente salvadora quanto aos desvios que se têm observado no comportamento dos jovens.
De modo geral, devemos optar pela psicoeducação sobre a doença, orientando a família sobre condutas mais adequadas para eles e o paciente, bem como resgatar a esperança e assinalar comportamentos que possam gerar recaídas (Ramos e Bertolote, 1997).
V - Entrevista Motivacional
Segundo Laranjeira et al (2001)
"O conceito de motivação tem recebido uma atenção grande na área das dependências. (...) A prática clínica tem adotado uma perspectiva de motivação como algo relativamente imutável, ou seja, o paciente está motivado para o tratamento e, nestas condições, o terapeuta teria um papel definido de ajudar a pessoa, ou o paciente não está motivado e, então, o tratamento não seria possível. Porém, hoje em dia, percebe-se que o quadro não é assim tão rígido, isto é, a técnica denominada Entrevista Motivacional postula que a aderência do dependente ao tratamento depende de sua motivação, atitude esta passível de ser modificada ao longo do tratamento" (p.19).
A entrevista motivacional é uma abordagem empregada para auxiliar o cliente a desenvolver um comprometimento e a tomar a decisão de mudar. É uma forma de ajudar as pessoas a reconhecer e fazer algo a respeito de sua problemática. Esta técnica possui bons resultados para pessoas que relutam em mudar comportamentos que trazem prejuízos significativos. Seu principal foco de atuação está na ambivalência do Cliente frente à mudança. Visa orientações oportunas, diretivas e focadas na escolha de comportamentos que promovam melhora na qualidade de vida.
A ambivalência é um componente normal e comum nas dificuldades dos indivíduos, porém nos comportamentos adictivos, é o fenômeno central. São pessoas que possuem dificuldades em escolher o que querem. O grande desafio do psicoterapeuta é descobrir como ajudar a fortalecer a motivação para a mudança do comportamento do cliente, visando os aspectos saudáveis que o mova ao desenvolvimento pessoal.
Miller e Rollnick (2001) em seu livro "Entrevista Motivacional" contribuíram com avanços para o tratamento da drogadicção, pois apontam os estágios que os clientes encontram-se para realizar as mudanças de comportamento. Os estágios estão divididos em:
pré-ponderação: são indivíduos que nem sequer estão pensando sobre a mudança. Na verdade, eles não compreendem o comportamento como um problema, ou pelo menos não acreditaram que ele seja tão problemático quanto os observadores externos acreditam. Nesta fase o terapeuta deve promover dúvidas, tentando aumentar a percepção do paciente sobre os riscos e problemas do seu comportamento atual;
ponderação: são pacientes que estão dispostos a considerar o problema e avaliam a possibilidade de mudar, porém com alguma resistência. Neste estágio os pacientes consideram as informações que lhe são fornecidas. O terapeuta deve inclinar a balança motivacional (fatores favoráveis e contrários do comportamento), focalizando as perdas e os riscos de não mudar suas atitudes;
determinação: são os clientes que estão decididos a dar os primeiros passos para interromper o comportamento-problema. As pessoas nesse estágio farão ou já fizeram uma tentativa séria de mudança. Eles parecem estar prontos e comprometidos com a ação. Nesse momento o terapeuta deve estar atento e ajudar o paciente a determinar a melhor linha de ação a ser seguida para obtenção da mudança.
ação: neste período os indivíduos estão comprometidas com o tratamento, fazendo mudanças significativas de comportamento. Utilizam a terapia para obter apoio. Neste período o terapeuta deve valorizar as atividades bem-sucedidas e suas decisões, ajudando-o a aumentar sua sensação de auto-eficácia;
manutenção: neste momento o paciente está estabelecendo com firmeza o novo comportamento. A ameaça de recaída ou de um retorno aos padrões antigos se torna menos freqüente. Como a mudança requer a construção de um novo padrão de comportamento, este leva algum tempo para se estabelecer. Fazer "feedbacks" de que é necessário um certo tempo para alcançar as mudanças sustentadas, sendo que algumas recordações podem trazer lembranças associadas ao comportamento adictivos;
recaída: quando o cliente retoma o antigo padrão de consumo de droga, ou se utiliza da substância com menor quantidade que o habitual, sendo entendido como lapso. O terapeuta deve ajudar o paciente a renovar os processos de ponderação, determinação e ação, sem que este fique imobilizado ou desmoralizado devido à recaída.
VI - Prevenção da recaída
Devido a sua cronicidade, a dependência de drogas possui uma característica fundamental que é a grande probabilidade de retorno as sintomatologias (recaídas) em alguns períodos da vida do indivíduo.
A dependência é, por sua própria natureza, um transtorno com recaídas. Um dos princípios de qualquer modelo de autocontrole da dependência é que a recaída pode ser uma oportunidade para um aprendizado adicional e não uma indicação de fracasso. Quando o indivíduo lida eficazmente com a situação, tende a experienciar um senso de domínio ou percepção de controle (Scott e Mark, 1994).
Marlatt e Gordon demonstram em seu livro que o programa de prevenção da recaída é um dos instrumentos que promovem resultados positivos para transtornos adictos. Afirmam que o programa consiste de um
automanejo que visa melhorar o estágio de manutenção do processo de mudança de hábitos. O objetivo é ensinar os indivíduos que tentam mudar seu comportamento a prever e lidar com o problema da recaída. Em um sentido muito geral, recaída refere-se a um colapso ou revés na tentativa de uma pessoa para mudar ou modificar qualquer comportamento-alvo" (Marlatt e Gordon, 1993, p.3).
Ramos e Bertolote (1997) resumem os objetivos da prevenção da recaída em:
modificar crenças e expectativas acerca do uso de drogas;
identificar e antecipar as situações de risco para recaída;
aprender habilidades e estratégias de enfrentamento e manejo de situações de risco;
promover amplas modificações no estilo de vida.
VII - Projeto de vida
No decurso do envolvimento com substâncias psicoativas, alguns dos objetivos existenciais do indivíduo podem se perder. Apenas "eliminar" a droga pode representar muito pouco, na medida em que permanece um espaço vazio que necessita ser preenchido. O trabalho terapêutico deve buscar, colaborativamente, identificar e estimular um projeto de vida que promova um sentido existencial para o indivíduo. (Ramos e Bertolote, 1997)
Marlatt e Gordon (1993) sugerem que
o grau de equilíbrio no estilo de vida diário de uma pessoa tem um impacto significativo sobre o desejo de indulgência ou gratificação imediata. Aqui, equilíbrio é definido como o grau de harmonia existente na vida diária da pessoa entre aquelas atividades percebidas como 'incômodos' externos ou demandas (os 'deveres') e aquelas percebidas como prazeres ou auto-satisfação (os 'desejos'). Um estilo de vida com uma preponderância de 'deveres' freqüentemente está associado com uma maior percepção de autoprivação e um desejo correspondente por indulgência e gratificação (p.42).
A mudança bem-sucedida no estilo de vida também não pode ser estabelecida em um período relativamente curto. Do mesmo modo que outras habilidades levam tempo para serem dominadas, também o desenvolvimento de um novo padrão de hábitos consome longo período.
A meta final de todo o tratamento que visa auxiliar o indivíduo a modificar um comportamento adicto é ajudar o indivíduo a fazer mudanças eficazes em sua vida. (Miller e Rollnick, 2001)
VIII - Relato do caso
M. é do sexo masculino, tem 29 anos e se encontra há 3 meses em tratamento. Procurou atendimento psicológico depois de ser aconselhado por um policial. Estava com um amigo sob os efeitos de drogas, cocaína e álcool, quando foram agredir um terceiro, também usuário, em sua residência. Devido ao acontecido, os dois foram para a delegacia. Houve uma longa conversa com os policiais e a abertura do boletim de ocorrência.
O cliente é filho único e perdeu o pai aos 12 anos, vítima de uma doença grave. É casado há menos de um ano com V., 19 anos. Os dois consumaram a união depois de descobrir que ela estava grávida. Hoje a filha tem um ano e meio . M. construiu a moradia da família, a pedido da esposa, nos fundos da casa da sogra.
M. relata que desde pequeno, entre 8 ou 9 anos, seus familiares lhe davam bebidas alcóolicas. Diz que "sempre gostou de beber", refere que esse é seu maior problema. Experimentou maconha aos 17 anos, porém fumou e não aprovou os efeitos. Iniciou o uso de cocaína aos 20 anos, afirma que este ato ocorreu devido a uma desilusão amorosa. Consumia álcool e cocaína, inicialmente, com os amigos nas festas, com o intuito de perder a timidez e conseguir aproximar-se das meninas.
No inicio do tratamento a família ficou bastante assustada com o problema das drogas, não acreditando que o paciente poderia ter esse tipo de atitude, pois existia a crença de que esses comportamentos eram típicos de bandidos e marginais. Aos poucos os familiares começaram a compreender a doença, com o auxílio da literatura, do grupo de pais, da equipe técnica e outros meios de informação. Atualmente, o grupo familiar participa ativamente das estratégias terapêuticas, facilitando o processo de recuperação de M.
Em termos de motivação, M. está bem consciente do seu problema, considera o uso de drogas uma patologia. Possui excelentes estratégias de enfrentamento do problema, sabendo reconhecer os fatores de riscos e de proteção. Durante o tratamento recaiu algumas vezes por acreditar que poderia enfrentar uma situação de alto risco. Apesar desses momentos, conseguiu retirar boas experiências sobre seu problema.
Na tentativa de realizar um entendimento da sintomatologia do cliente, a hipótese diagnóstica para o caso é Transtorno Depressivo Maior - moderado, Dependência de Cocaína, Dependência de Álcool e problemas com o grupo de apoio primário, não sendo informado outros dados clínicos. Possui pensamentos de menos valia de si e de seu futuro.
Atualmente, M. está há três meses sem usar cocaína e álcool. Está a procura de um emprego que lhe possibilite um crescimento profissional. Sua depressão não está atuante, tendo pensamentos e comportamentos realistas e favoráveis. Ingressou em um curso de graduação do superior Universidade, trancando devido a falta de condições financeiras.
IX - Considerações Finais
No que se refere à drogadicção, sabe-se que as pessoas com estes problemas podem persistir em seus hábitos, apesar do sofrimento e perdas pessoais. Obviamente, um simples aumento das conseqüências dolorosas nem sempre consegue deter esses comportamentos. Por vezes, essas conseqüências parecem apenas fortalecer e arraigar ainda mais um padrão de comportamento. Por isso é fundamental persistir com o tratamento, por maior dificuldade que exista, até a tomada de decisão do cliente frente ao seu comportamento adicto.
"A terapia cognitiva provavelmente não provará ser uma panacéia para a dependência a drogas, mas existem evidências encorajadoras, dos estudos clínicos e pesquisas, de que prestará uma contribuição significativa para as dependências" (Scott e Mark, 1994, p.196).
Em suma, entendemos que por muitas vezes pouco poderá ser feito se o usuário não se conscientizar que o uso de substâncias psicoativas é extremamente danoso para sua integridade. Que seu prazer momentâneo, ao longo do tempo, se tornará somente a necessidade pela substância, gerando desprazer e angústia. Entretanto, acreditamos ser sempre válido qualquer tentativa, uma simples conversa, uma informação, que, por vezes, pode causar alguma modificação, trazendo, no futuro, a motivação que o cliente necessita para enfrentar sua patologia.
Referências bibliográficas
Barcelos, C. (2000). Quero Meu Filho de volta. São Paulo: Editora Gente.
Bergeret, J; Leblanc, J. (1991). Toxicomanias, uma visão multidisciplinar. Porto Alegre: Artes Médicas.
Cavalcante, A. (1997). Drogas, esse barato sai caro. Rio de Janeiro: Rosa dos Ventos.
Hintz, H. (2002). O papel da Família. In: Pulcherio, G. Bicca, C. Silva, F.A. Álcool, outras drogas informação. São Paulo: Casa do Psicólogo.
Jaber, J. André, C. (2002). Alcoolismo. Rio de Janeiro: Revinter.
Laranjeira, R. Andrade, A. Leite, M. Focchi, G. (2001). Dependência química, novos modelos de tratamento. São Paulo: Roca.
Leite, M. (2001). Aspectos Básicos do Tratamento da Síndrome de Dependência de Substâncias Psicoativas,(2ed.). Brasília: Presidência da República, Gabinete de Segurança Institucional, Secretaria Nacional Antidrogas.
Marlatt, G. Gordon, J. (1993). Prevenção da Recaída. Porto Alegre: Artmed.
Miller, W. Rollnick, S. (2001). Entrevista Motivacional. Porto Alegre: Artmed.
Michel, O. (2000). Alcoolismo e drogas de abuso, problemas ocupacionais e sociais. Rio de Janeiro: Revinter.
Pulcherio, G. Bicca, C. (2002). Avaliação dos transtornos comórbidos. In: Pulcherio, G. Bicca, C. Silva, F.A. Álcool, outras drogas informação. São Paulo: Casa do Psicólogo.
Ramos, P. Bertolote, J. (1997). Alcoolismo Hoje. 3ed. Porto Alegre: Artes Médicas.
Scott, J. Mark, J. (1994). Terapia Cognitiva na Prática Clínica. Porto Alegre: Artes Médicas.
Sielski, F. (1999). Filhos que usam drogas: guias para os pais. Curitiba: Adrenalina.
Tiba, I. (1999). Anjos Caídos. São Paulo: Editora Gente.
* Felipe Stock Tomasi, Psicólogo do Centro Wallace Mandell.
Fonte: Associação de Justiça Terapêutica.
Acesse: http://www.anjt.org.br/index.php?id=99&n=81
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