TCC 2015

TCC 2015

sábado, 13 de setembro de 2008

TC e o pragmatismo da Entrevista motivacional na Dependência Química.

Entrevista motivacional: bases teóricas e práticas

Resumo
O conceito de motivação, essencial na compreensão das dependências, inspirou a formulação de uma intervenção terapêutica chamada Entrevista Motivacional, amplamente difundida na Europa e EUA e mais recentemente difundida no Brasil. Esta abordagem, que junta várias abordagens já existentes, tais como a terapia centrada no cliente e terapias breves, acrescentando alguns novos conceitos, tem como objetivo principal promover a mudança de comportamento.
Seus cinco princípios básicos são: expressar empatia, desenvolver discrepância, evitar discussões, fluir com a resistência e estimular a auto-eficácia. A técnica é discutida em detalhes, assim como sua eficácia e as possibilidades de estudos futuros. O objetivo desta revisão é descrever a técnica de EM e avaliar as evidências científicas de sua efetividade.
Unitermos: motivação, tratamento, dependência, álcool, drogas, técnicas, eficácia.
Summary
Motivational Interviewing: Theoretical and Practical aspects The concept of motivation, essential on the understanding of addictive behaviours, inspired the formulation of a therapeutic intervention called Motivational Interviewing, widely used in Europe and in the USA and only recently in Brazil. This approach, that puts together different approaches, such as client -centered therapy and brief interventions, adding few new ideas, has as its main goal to promote a behaviour change. Its five principles are: express empathy, develop discrepancy, avoid argumentation, roll with resistance and support self-efficacy. The technique is discussed in details as well as its efficacy and the possibilities for future studies. The objective of this review is to describe the Motivational Interviewing technique and evaluate the cientific evidences of its effectiveness.
Uniterms: motivation, treatment, addictive behavior, drugs, alcohol, techniques, efficacy.
1 - Introdução
O conceito de motivação tem recebido uma atenção grande na área das dependências. Esta maior atenção deve -se ao fato de que abandonar o uso de uma substância está por demais ligado a uma série de comportamentos aos quais a motivação está vinculada. A palavra motivação vem sendo usada em medicina e em psicologia significando conceitos diferentes para pessoas diferentes. No geral, a prática clínica tem adotado uma perspectiva de motivação como algo relativamente imutável, ou seja, ou o paciente está motivado para o tratamento e nestas condições o terapeuta teria um papel definido de ajudar a pessoa, ou o paciente não está motivado e então o tratamento não seria possível. Porém, hoje em dia percebe-se que o quadro não é assim tão rígido, isto é, uma técnica denominada Entrevista Motivacional (EM) postula que a aderência do dependente ao tratamento depende de sua motivação, atitude esta passível de ser modificada ao longo do tratamento. O objetivo desta revisão é fazer uma evolução das principais idéias ao redor desta abordagem chamada Entrevista Motivacional, delinear a sua prática e apresentar as evidências empíricas que a sustentam.
O que é motivação
Costuma-se dizer que a motivação de um cliente pode ser avaliada por uma serie de comportamentos tais como:
concordar com o terapeuta, aceitar o diagnóstico deste (isto é, admitir a dependência de uma droga), expressar vontade de mudar ou de ser ajudado, estar incomodado com sua situação pessoal e seguir os conselhos do terapeuta. De forma oposta, estar 'desmotivado' (em negação ou resistente), seria ter os comportamentos contrários. Portanto, discordar com o terapeuta é estar 'em negação' e concordar é 'insight'(1) . A questão é que se julga motivação pelo que o cliente diz e a preocupação nesta nova abordagem seria mais o que o cliente faz, já que o que o cliente fala não é garantia de que ele fará o que verbalizou. Assumir um diagnóstico não prediz sucesso de tratamento: muitos dependentes dizem que o são mas não mudam e outros que não se categorizam, conseguem mudar (2,3) . Não é incomum. as pessoas dizerem algo e fazerem diferente.
O que parece predizer mudança é a aderência da pessoa ao conselho ou plano estabelecido com o terapeuta. Dessa forma, o termo motivação se torna mais específico e pragmático: se motivação é vista como o grau de compromisso ou aderência com o tratamento, esta pode ser encarada como a probabilidade de certos comportamentos ocorrerem. Neste sentido, a visão de motivação se toma mais prática e otimista do que encará-la ou como um traço de personalidade ou mesmo como um momento interno.
Assim, motivação pode ser definida como a probabilidade de que uma pessoas se envolva, continue e adira a uma estratégia específica de mudança(4,5) . Motivação não deve ser encarada como um traço de personalidade inerente ao caráter da pessoa, mas sim um estado de prontidão ou vontade de mudar, que pode flutuar de um momento para outro e de uma situação para outra (1) , isto é, de acordo com esta abordagem, a motivação é vista como uma característica dinâmica ao invés de um aspecto estático do indivíduo, podendo ser influenciado por fatores externos. Neste sentido, a motivação se toma um objetivo crucial do terapeuta: este deve não só orientar mas motivar o cliente, isto é, aumentar a probabilidade de que este siga uma linha de ação que gere mudança.
Por que se falar em uma nova técnica?
Até há pouco tempo, a forma encontrada para lidar com a falta de motivação era através daquelas abordagens chamadas 'de confronto'. O que está por trás das estratégias confrontativas é que os dependentes de alguma droga, teriam um sintoma como parte de seu caráter, possuiriam um altíssimo nível de mecanismos de defesa que os impediriam de avaliar o que se passa com a sua relação com as drogas. Esta idéia parece ter derivado do pensamento de linha psicodinâmica que acredita na dependência como um traço dos transtornos de personalidade(1) . Ruth Fox (6) defendia esta postura dizendo que 'o alcoólatra cria um elaborado sistema de defesas em que ele nega ser alcoólatra e doente, racionaliza que ele precisa beber seja devido aos negócios, à saúde ou por razões sociais, e projeta a culpa pelo problema que tem'. A resposta terapêutica a este sintoma seria uma espécie de 'render-se', 'aceitar a falta de poder' e mesmo 'redução do ego'(7) .
Estratégias de confronto são muito usadas em modelos de tratamento baseados nos 12 passos dos AA corno no "Modelo Minnesota". Porém, não há prova nos escritos dos AA e nem mesmo em décadas de pesquisa psicológica, de que exista uma 'personalidade dependente' (8,9) além do fato de que assumir-se dependente não está associado ao sucesso do tratamento (2,3) e às vezes negativamente relacionado à melhora (3) . Então, a hipótese da negação se tomaria um mito. O que o cliente traz sim é muita ambivalência.
Num outro vértice clínico, adotou-se a prática de 'aconselhamento' (giving advice), o que muitas vezes também não é efetivo, já que se toma prematuro aconselhar alguém a mudar um comportamento ao qual a pessoa não está certa de querer mudar (10) . Isto é, arribas as abordagens, tanto a de confronto como a de 'aconselhamento', como não levam em conta o grau de ambivalência do paciente e sua prontidão para mudança, acabam estimulando uma postura de resistência para o tratamento.
Tendo em vista os seguintes aspectos:
1. estudos feitos sobre a eficácia destas duas abordagens descritas acima;
2. novo conceito de motivação;
3. pesquisas mostrando que a eficácia do tratamento não é diretamente proporcional ao tempo de tratamento (ou seja, tratamentos mais longos não são necessariamente mais eficazes que os mais breves (11,12,13,14,15,16) , isto é, que intervenções breves são eficazes);
4. quanto o estilo do terapeuta interfere no sucesso do tratamento criou-se um método terapêutico chamado Entrevista Motivacional, técnica esta proposta durante a década de 80 (19,20) .
Nesta abordagem, a motivação é encarada desta forma mais dinâmica, não estática e influenciável por fatores externos, tais como o terapeuta. A idéia é que já que como o paciente dependente fica pouco no tratamento, é preciso fazer urna intervenção rápida (21) . E porque os dependentes têm como característica a busca da gratificação imediata às custas do mal duradouro, e porque a dependência é uma condição crônica de recaída, o principal objetivo do tratamento seria propiciar condições de mudança, De certa forma, a abordagem da EM usa a confrontação como um objetivo (a idéia é que o cliente veja e aceite seu problema durante a terapia e dessa forma possa mudar) e não como um estilo terapêutico.

2 - O que é Entrevista Motivacional (EM) Definição, bases teóricas e o papel do terapeuta
De acordo com Rollnick e Miller (22) , EM é 'um estilo de aconselhamento diretivo, centrado no cliente, que visa estimular a mudança do comportamento, ajudando os clientes a explorar e resolver sua ambivalência'. A EM engloba técnicas de várias abordagens, tais como psicoterapias breves, 'terapia centrada no cliente', terapia cognitiva, terapia sistêmica e até a psicologia social de persuasão. Neste sentido, a EM envolve componentes diretivos e não diretivos.
Uma sessão de EM é bem parecida com uma sessão de terapia centrada no cliente, aquela desenvolvida por C. Rogers. Nessa abordagem, o papel do terapeuta é não diretivo, isto é, ao invés de propor soluções ou sugestões para o cliente, oferece condições de crítica que propiciem ao cliente o espaço para uma mudança natural: tenta-se buscar as razões para mudança no cliente ao invés de impor ou tentar persuadi-lo sobre a mudança. Em essência, a EM orienta os pacientes a convencerem a si próprios sobre a mudança necessária(1) .
Entre as condições essenciais para que esta técnica funcione a principal é a empatia, que Rogers definiu como urna 'escuta técnica reflexiva' que clarifique e amplie a experiência pessoal do cliente, sem impor a opinião pessoal do terapeuta . Isto é, nesta abordagem, o terapeuta não assume o papel de 'expert', a relação terapeuta-cliente é mais de troca, visando a autonomia, liberdade de escolha do cliente e sua eficácia. Apesar da confrontação ser um objetivo implícito da EM, confrontação direta, imediata e persuasão, são explicitamente evitadas já que estas geralmente aumentam a resistência e reduzem a probabilidade de mudança. (1,23) . Ao mesmo tempo, há um componente diretivo, já que o terapeuta mantém sempre um propósito e uma direção (que é auxiliar o cliente a lidar com sua ambivalência e consequentemente possibilitar mudança) e, muitas vezes, escolhe ativamente o momento certo de intervir, de modo a facilitar esta meta.
Dois conceitos importantes
A EM baseia-se em 2 conceitos. O primeiro é o de ambivalência, que, neste contexto, não significa apenas a relutância a fazer algo mas sim, a experiência de um conflito psicológico para decidir entre dois caminhos diferentes. Os dependentes de álcool e drogas, quando buscam tratamento, geralmente o fazem com conflitos, com aquilo que chamamos de motivação flutuante, isto é, eles querem fazer algo a respeito do seu comportamento mas ao mesmo tempo também não querem. No caso dos fumantes, por exemplo, o conflito seria entre continuar fumando e parar de fumar. Ambivalência quanto à mudança de comportamento é difícil de resolver porque cada lado do conflito tem seus benefícios e seus custos (10) . Por ser a EM uma técnica desenvolvida para lidar com a dependência, tem-se como uma das suas metas principais a constatação e a resolução da ambivalência.
O segundo conceito é o de prontidão para a mudança, baseada no modelo de 'Estágios de mudança', desenvolvido por Prochaska e DiClemente (24) . Tendo como base o conceito de motivação como um estado de prontidão ou vontade de mudar (como mencionado anteriormente, um estado interno mutável de acordo com fatores externos), esse modelo acredita que a mudança se faz através de um processo e para tal, a pessoa passa por diferentes estágios. A primeira forma de mostrar este processo foi através de uma roda.
A entrada para o processo de mudança é o estágio de 'Pré-contemplação', onde a pessoa ainda não está considerando a mudança. De um modo geral, a pessoa neste estágio sequer encara o seu comportamento como um problema, podendo ser chamado 'resistente' ou 'em negação'. Quando alguma consciência sobre o problema aparece, a pessoa entra no estágio seguinte de 'Contemplação'. O contemplador considera a mudança. mas ao mesmo tempo a rejeita e é nesta fase que a ambivalência, estando no seu ápice, deve ser trabalhada para possibilitar um movimento rumo à decisão de mudar.
Uma vez trabalhada a ambivalência, a pessoa pode passar para o estágio de 'Preparação', onde ela está pronta para mudar e compromissada com a mudança. Faz parte deste estágio, aumentar a responsabilidade pela mudança e elaborar um plano específico de ação. O estágio seguinte é o de 'Ação', onde o cliente já muda e usa a terapia como um meio de assegurar-se do seu plano, para ganhar auto-eficácia e finalmente para criar condições externas para a mudança. O processo todo nos pacientes com comportamentos dependentes pode durar de 3 a 6 meses, já que, nestes casos, o novo comportamento (o de abstinência geralmente) demora um tempo para se estabelecer. O grande teste para comprovar-se a efetividade da mudança, seria a estabilidade neste novo estado por anos e que, no processo de mudança, se chama 'Manutenção'.
Porém, deve-se ter em conta que, uma vez atingida alguma mudança, não significa que a pessoa se manterá neste estágio: muitas pessoa acabam recaindo e tendo que recomeçar o processo novamente. Nem sempre este recomeço ocorre pelo estágio inicial. Muitas pessoas, passam inúmeras vezes pelas diferentes etapas do processo para chegar ao término, isto é, uma mudança mais duradoura. Daí, os autores passarem a ilustrar o processo de mudança como uma espiral, que pressupõe movimento (25) .
A recaída é um aspecto essencial a ser entendido quando se fala em mudança de hábito nas dependências. Em termos médicos, recaída seria a 'recorrência dos sintomas da doença, após um período de melhora'. Adaptando este conceito às dependências, a recaída seria então 'um retomo a níveis anteriores de uso, seguido de uma tentativa de parar ou diminuir este uso, ou apenas 'o fracasso de atingir objetivos estabelecidos por um indivíduo a pós um período definido de tempo' (26) . É importante encarar a recaída não como um fato isolado, isto é, um botão que se aperta mas sim como uma série de processos cognitivos, comportamentais e afetivos. Ainda, a recaída deve ser encarada como um estado de transição, que pode ou não ser seguido de uma melhora.
Um modelo baseado nesta visão mais otimista. foi formulado por Marlatt & Gordon (26) . A idéia é a pessoa, enquanto se mantém sem usar ou em controle do consumo, ela tem a experiência de uma sensação de auto-controle (auto-eficácia):
quanto mais a pessoa mantém seus objetivos, maior será a percepção de auto-eficácia (27) . De certo modo, pode-se dizer que a recaída faz parte do processo de mudança e que, muitas vezes, esta até é essencial para que a pessoa possa aprender com a experiência e recomeçar de uma forma mais consciente. Vale lembrar que este esquema é válido para pessoas na fase de 'manutenção' (segundo o modelo de Prochaska & DiClementi), isto é, para pessoas que já fizeram a escolha voluntária de parar ou diminuir o consumo. Atualmente, é impossível falar de tratamento na área de álcool e drogas sem se levar em conta alguns princípios da Prevenção de Recaída.
3 - Evidências da efetividade da técnica de EM
Dois estudos recentes, abordaram a efetividade da EM no tratamento de comportamentos dependentes:
A - Noonan & Moyers; (28) reviram a literatura sobre EM e analisaram uma série de 9 estudos: 2 estudam a EM isolada sem comparar com outros tratamentos, 7 apoiam a eficácia da EM em diferentes settings e 2 estudos que não sustentam o uso da EM como uma intervenção clínica efetiva.
Os 9 estudos dos 11 selecionados por Noonan & Moyers; (28) que mostraram a efetividade da EM em settings variados são:
· EM como tratamento exclusivo:
- Miller et al (1988)34 avaliaram pela primeira vez o DCU (drinker's check-up = auto-avaliação de alcoólicos). Este consiste em uma avaliação de 2 horas seguida de uma sessão de 1 hora de feed-back, baseada em técnicas de EM, uma semana depois. A avaliação inclui quantidade e frequência de uso, testes de sangue para medir danos no fígado além de testes neuropsicológicos sensíveis a deficiências cognitivas advindas do álcool. No grupo que recebeu DCU observou-se redução no consumo semanal de álcool e o pico de álcool no sangue também diminuiu após 6 semanas e 18 meses.
- Miller et al (1993 )23 similarmente compararam DCU em duas condições: no estilo da EM e no estilo confrontativo. Apesar de haver diminuição do consumo semanal de álcool em ambos os grupos após 6 semanas e 1 ano, a técnica confrontativa evocou mais resistência dos clientes (tais como discussão, interrupção, interferência).
· EM estimulando o tratamento
- Bien et al (1993)29 ofereceram EM como estímulo ao tratamento para uma população de bebedores pesados, num ambulatório de veteranos. Os dados sugerem que os bons resultados da EM são medidos por um maior compromisso com o tratamento e percepções mais positivas do terapeuta.
- Brown&Miller (1993)30 compararam oferta de breve EM com nenhum tratamento para alcoólicos antes da internação. Apesar de ambos os grupos demonstrarem diminuição no consumo semanal de álcool, o grupo que recebeu EM mostrou uma redução maior, além de neste grupo o envolvimento com o tratamento ser maior.
- Saunders; et al (1995)36 usaram urna população de usuários de opiáceos, num programa de manutenção por metadona na Austrália, comparando EM com orientação pedagógica. Os resultados mostram que o grupo de EM, foi mais adiante nos estágios de mudança, fez maior compromisso com a abstinência, viu mais vantagens em se manter abstinente, manteve-se mais tempo no programa, além de recair menos e ter menos problemas relacionados ao uso de opiáceos.
· EM na população com problemas com álcool em consultas médicas:
- Handmaker (1993)31 observou mulheres grávidas com consumo arriscado de álcool. Em consultas pré-natal, foi-lhes oferecido um DCU (drinker’s check-up) ou nada. Apesar do autor acreditar que a mera triagem (assessment) interferiu nos resultados, o DCU resultou na diminuição de álcool consumido a cada encontro.
- Senft et al (1995)37 observaram pacientes que vinham às consultas com o clínico geral: um grupo recebeu os cuidados usuais e outro uma breve EM de 15 minutos após cada consulta. O follow-up de 6 meses mostrou que este segundo grupo teve menos consumo total e menos dias de bebida por semana após 6 e 12 meses. Não houve diferença quanto ao consumo de álcool nos dias em que houve consumo.
- Heather et al (1995)32 observaram usuários de álcool pesado internados. Os autores tinham como hipótese que os pacientes que ainda não estavam prontos para mudar o consumo de álcool (grupo 1) iriam se beneficiar mais da EM e que os que já estavam prontos para mudança (grupo 2) se beneficiariam mais de uma abordagem de treinamento de habilidades (skill-based counseling - SBC). Após um follow-up de 8 meses, os dois grupos mostraram melhora, mas não houve diferenças entre as duas técnicas. A EM mostrou ser melhor com o grupo 1 enquanto a SBC não foi melhor para o grupo 2.
- Stephens et al (1993)38 compararam 3 tratamentos: EM (DCU), Prevenção de recaída e tratamento longo padrão, numa população de usuários de maconha. Os dois primeiros tratamentos foram mais eficazes tanto em relação à diminuição do consumo quanto à diminuição de problemas relacionados ao consumo, comparados ao terceiro tratamento.
Os dois estudos seguintes não conseguiram provar a eficácia da EM, ambos conduzidos em ambiente médico:
- Richmond et al (1995)35 compararam EM com aconselhamento breve de clínicos gerais, mais um grupo de avaliação e outro controle. Após 6 e 12 meses, não houve diferença de consumo entre os grupos, apesar do grupo que recebeu EM, ter apresentado menos problemas relacionados com álcool. Esse resultado vai contra um dos achados de pesquisas feitas em EM (Brown&Miller, 1993 38), onde esta estimula o engajamento além de aumentar o comparecimento do cliente no tratamento. O resultado pode se dever tanto porque as pessoas preferiram um tratamento mais breve e mais frequente como porque, na Austrália. tem-se uma relação boa com clínicos gerais, o que dá vantagens ao grupo dos clínicos gerais. Questiona-se o quanto a EM oferecida aqui, era fidedigna à técnica.
- Kuchipudi et al (1990)33 ofereceram uma EM baseada num DCU (drinker’s check-up) em pacientes internados com problemas gastroentereológicos. Os pacientes foram divididos entre EM e sem tratamento. Não se percebeu diferença entre os 2 grupos quanto ao começo de tratamento, comparecimento ou consumo de álcool. Os autores acreditam que os maus resultados se devam ao fato dos pacientes não terem sido escolhidos e muitos terem um prognóstico ruim.
B - Moyers&Yahne39 embora sem estudos empíricos, criticam a técnica de EM, enumerando 6 obstáculos encontrados por clínicos que aplicavam a EM em pacientes. São eles: a técnica é muito passiva, a técnica colabora com o estado de negação do paciente, a técnica demora muito tempo para fazer efeito, a técnica mantêm o status quo da pessoa, sem mudanças, a técnica faz os terapeutas parecerem ingênuos e a idéia de que a EM é a coisa certa para todos os pacientes sempre.
Os trabalhos acima estudam a EM em setting diversos (internação, ambulatório, etc) e com substâncias variadas (álcool, maconha, opiáceos). Como sugerem alguns autores, a efetividade da EM está relacionada a algumas características da população estudada, tais como gravidade da dependência, comorbidade, severidade do comprometimento e grau de ambivalência quanto à vontade de mudar. Uma maior investigação sobre a população envolvida nos estudos e estas outras variáveis, ajudarão a compreender porque a EM é mais ou menos eficaz nas diferentes circunstâncias. Ao mesmo tempo, é importante ter-se em mente que, como outros tratamentos das dependências, EM não é eficaz para todos os indivíduos.
4 - Técnica
A EM empresta de modelos teóricos variados (tais como técnicas diretivas e não diretivas, de abordagens breves, entre outros), seu instrumento de trabalho. Estas várias técnicas porém, são, na EM, utilizadas de forma bastante específica.
O papel do terapeuta por exemplo, na EM é bastante particular: o terapeuta aqui tem a função de estimular a motivação do cliente, buscando aumentar a possibilidade de mudança sem, ao mesmo tempo, impor à pessoa um curso de ação que não seja apropriado ao seu momento pessoal.
Cinco princípios básicos
Existem 5 princípios básicos na técnica da EM(1) . São eles:
1 - Expressar empatia. Mostrar empatia é uma das essências da EM e isso consiste em:
- aceitar a postura do cliente, tentando entendê-lo, sem julgamento ou crítica;
- escutar criticamente (reflective listening): esta técnica é específica da EM. Não é tão frutífero apenas ouvir o que o cliente diz. O elemento essencial aqui é o como o terapeuta responderá ao que ouve: o terapeuta de certa forma adivinha o que o cliente quer dizer, decodificando aquilo que ouviu e refraseando para o cliente na forma de um afirmação. (Ex: Terapeuta - Deixa eu ver se entendi o que você está dizendo...);
- assumir ambivalência como algo normal e parte do processo de mudança.
2 - Desenvolver discrepância, entre o atual comportamento do cliente (por exemplo, a dependência de droga) e objetivos mais amplos (por exemplo, ter uma carreira profissional ou manter um relacionamento estável). Isto é, evidenciar a distância entre onde a pessoa está e onde ela gostaria de estar. Isto faz -se importante para que o cliente:
- tenha consciência das consequências do atual comportamento;
- vendo a discrepância entre o comportamento atual e objetivos futuros, ficar mais motivado a mudanças;
- deve ser estimulado a apresentar argumentos para mudança.
3 - Evitar discussões, isto é, confrontações diretas e para tal, é necessário ter em mente:
- discussões são contraprodutivas;
- discussões suscitam defesas e defender-se gera defesas;
- discussões também suscitam resistência e essa resistência por parte do cliente é um sinal para o terapeuta mudar de estratégias;
- geralmente as discussões surgem da tentativa do terapeuta confrontar o paciente com seu problema e consequentemente querer encaixá-lo em alguma categoria (isto é, por exemplo, o terapeuta esperar que o cliente se assuma como alcoólatra ou drogado). Categorizar é desnecessário.
4 - Fluir com a resistência, ao invés de enfrentá-la e para tal é importante:
- saber reconhecer o momento do cliente e saber usá-lo (ao invés de ir contra ele) pode ser positivo;
- ter em mente que as percepções do cliente podem mudar (principalmente se forem de relutância ao tratamento, ao contato terapêutico ou mesmo à mudança propriamente dita), se o terapeuta estiver bem preparado para fazê-lo;
- novas perspectivas são bem recebidas mas não devem ser impostas;
- o cliente é uma rica fonte para possíveis soluções de problemas.
5 - Estimular auto-eficácia, um conceito bastante importante quando se fala de EM. A auto-eficácia, conceito criado por Bandura , é a crença da própria pessoa na sua habilidade de executar urna tarefa. Auto-eficácia é considerada um elemento chave no processo de motivação para mudança (26.43,44) é um bom fator preditivo do sucesso do tratamento (45.46.47) . Para estimular a auto eficácia é necessário:
- o terapeuta acreditar na possibilidade de mudança;
- o cliente ser responsável por escolher e levar a cabo uma mudança pessoal;
- ter esperança na variedade de abordagens a qual o cliente pode recorrer.
Oito estratégias de A a H ( em inglês)
Tendo em vista que motivação é um estado mutável. é apropriado pensar em estratégias que aumentem a probabilidade de mudança. Há uma vasta revisão da literatura sobre o que motiva pessoas a mudar e a aderir ao tratamento e esta já foi revista em detalhes (5) . As seguintes estratégias aqui mencionadas são um resumo desta literatura, devendo-se sempre ter em mente que não há soluções mágicas e que uma abordagem efetiva geralmente associa várias dessas estratégias:
A - Aconselhar (giving Advice): por mais valorizados que sejam os 'insights' e o aspecto não diretivo da EM, às vezes, um conselho claro, na hora e da forma certa, podem fazer a diferença. E de um bom conselho faz parte: identificar o problema ou a área de risco, explicar porque a mudança é necessária e recomendar uma mudança específica;
B - Remover Barreiras (remove Barriers): uma pessoa no estágio de contemplação pode estar considerando vir ao tratamento mas estar preocupada em fazê-lo devido a alguns obstáculos do tipo custo, transporte, horário, etc. Essas barreiras podem interferir não só na entrada no tratamento como também no processo de mudança, já que muitas vezes essas barreiras são mais de atitude ou internas do que abertas (isto é, a pessoa que ainda não sabe se vale a pena mudar, por exemplo. Neste caso, a abordagem deve ser mais cognitiva do que prática). O terapeuta bem preparado deve auxiliar o cliente a identificar essas barreiras e ultrapassá-las, asssistindo-o na busca de soluções práticas para o problema;
C - Oferecer opções de escolha (providing Choices): é provado que a motivação é aumentada quando a pessoa percebe-se capaz de decidir livremente sem influência externa ou sem ter sido obrigada a fazê-lo (1) . Portanto, é essencial que o terapeuta ajude o cliente a sentir sua liberdade (e consequentemente responsabilidade) de escolha , o que fica facilitado se o terapeuta oferecer várias alternativas para o cliente optar;
D - Diminuir a vontade (decreasing Desirability): se um comportamento é mantido apesar de suas más consequências, é porque este também traz algo de bom. É função do terapeuta identificar os aspectos positivos do comportamento de uso de uma substância do cliente que o está estimulando a manter-se nele, e daí buscar formas de diminuir esses incentivos. Nem sempre, a simples constatação racional destes aspectos negativos é suficiente. As pesquisas mostram que o comportamento tem mais chance de mudar se as dimensões afetivas ou de valor forem afetadas (1) . Técnicas comportamentais podem ser utilizadas, mas isso requer um grande compromisso do cliente. Uma abordagem mais genérica é a de aumentar a consciência do cliente para as consequências adversas do comportamento;
E - Praticar empatia (practicing Empalhy): o valor da empatia já foi mencionado anteriormente e desta consiste não a habilidade de identificar-se com o cliente mas sim de entender o outro através da chamada ‘escuta crítica';
F – Dar feedback (providing Feedback): se o terapeuta não sabe bem onde se encontra do processo terapêutico, fica difícil saber para onde ir. Muitas pessoas acabam por não mudar por falta de retomo quanto à sua atual situação. Portanto, deixar o cliente sempre a par de seu estado presente é um elemento essencial para motiva-lo à mudança;
G - Clarificar objetivos (clariffing Goals): só dar feedback também não é suficiente. É importante compará-lo com uma meta pré-estabelecida, que oriente o percurso de ação. Portanto, é importante auxiliar o cliente a estabelecer certos objetivos e que estes sejam realistas e atingíveis;
H - Ajuda ativa (active Helping): o terapeuta deve estar ativa e positivamente interessado no processo de mudança do cliente e isto pode ser expresso pela iniciativa do terapeuta de ajudar e pela expressão de cuidado (por exemplo, um simples telefonema frente a uma falta). Muito se discute se esta atitude estaria tomando das mãos do cliente a responsabilidade pelo tratamento. Os criadores da EM dizem: '...a idéia é que primeiro é necessário engajar e manter o cliente no tratamento e depois se preocupar com sua responsabilidade'(1) .
Aqui foram enumeradas algumas técnicas mas não a receita de como combiná-las. Saber os ingredientes da receita já é o começo. No decorrer do texto, serão dadas algumas dicas de como chegar ao fim do bolo! Como lidar com a ambivalência A ambivalência já foi citada como um aspecto comum a ser encarado no tratamento de dependentes químicos. De uma certa forma, a EM é centrada no gerenciamento terapêutico da ambivalência. Para tal, é preciso, antes de mais nada, entender como a ambivalência atua naquele cliente em particular: quais são, para este cliente, as partes do conflito, sem pressupô-las. Vale também definir as motivações do cliente bem como suas expectativas quanto à mudança, aspectos estes que podem estar tomando algum lado da balança. É importante ter-se em mente alguns aspectos ao se pensar em ambivalência:
- ao invés de encará-la como um 'mau sinal' e tentar persuadir o cliente a mudar, o ideal é encará-la como normal, aceitável e compreensível (1) . Dessa forma. o terapeuta poderá perceber o quão complexo é o dilema do cliente e então fazer movimentos que mais parecem um jogo amigável de xadrez do que um ataque ao castelo! - muitas vezes, é ilustrativo se usar de uma 'balança de decisão' para mostrar os dois lados do conflito, seja usando-se a ilustração de uma balança ou de um papel dividido;
- a ambivalência não é totalmente racional, sendo importante o terapeuta estar sempre sintonizado nos sentimentos, interesses e crenças do cliente.
De acordo com Prochaska e DiClemente (24) a capacidade da pessoa de entender sua ambivalência é o sinal para a passagem para o estágio da contemplação, onde ela estará mais consciente do conflito e até com maior ambivalência. Uma vez a ambivalência entendida e ultrapassada, a pessoa chega perto da preparação e consegue tomar uma decisão de mudar. Porém, ultrapassar a ambivalência é só parte do problema. A EM também promove a prontidão para mudança (a etapa seguinte) e muitas vezes, ter resolvido o conflito não leva diretamente à mudança.
Como lidar com a resistência
Como lidar com a resistência é outro aspecto essencial em EM e é neste sentido que a abordagem aqui é radicalmente oposto das técnicas de confronto. Um objetivo importante em EM é o de evitar estimular ou aumentar a resistência: quanto mais o cliente resistir, menos chance de mudar ele terá (16) e também estará mais propenso a desistir do tratamento (48) .
As pesquisas têm mostrado que um terapeuta que utiliza EM que seja bem preparado e capaz, consegue manter baixos os níveis de resistência, portanto a resistência do cliente e um problema do terapeuta (1) ! De um certo modo, o estilo do terapeuta determinará o quanto o cliente vai resistir, como se o sucesso terapêutico na EM pudesse ser medido pelo grau de resistência do cliente. Daí a necessidade de discutirmos aqui o como abordar a resistência. Primeiro é importante reconhecê-la e depois saber como lidar com ela.
1 - Reconhecer a resistência:
De acordo com a perspectiva da EM, a resistência é algo que surge durante o tratamento, da relação terapeuta-cliente. Segundo Prochaska e DiClemente (24) a resistência pode ser um sinal de que o terapeuta está usando técnicas inapropriadas para o estágio de mudança na qual o sujeito se encontra naquele momento. De alguma forma , é como se o cliente dissesse: 'Ei espera um pouco, pois eu não estou te seguindo!' Existem vários tipos de comportamento por parte do cliente que assinalam resistência: discutir, interromper, negar e ignorar (1) , mas o que importa não é tanto identificar o tipo mas sim o fato de alguma resistência estar existindo. De certa forma, é comum existir alguma resistência em todo processo terapêutico, especialmente no início. Cabe ao terapeuta perceber se esta relutância inicial vai tomar-se um padrão e é no como o terapeuta responde à resistência que faz a diferença e distingue a EM das demais técnicas.
2 - Estratégias para lidar coma resistência:
A - Reflexão simples: uma boa resposta à resistência é uma de não -resistência. Simplesmente constatar que o cliente discorda ou que ele sente algo, permite explorar melhor a situação ao invés de aumentar as defesas (Exemplo: Cliente - Não sou eu que tenho problemas. Se bebo, é porque minha esposa está sempre me enchendo... Terapeuta - Parece que para você, a razão de você beber são os seus problemas conjugais);
B - Reflexão amplificada: a idéia seria devolver ao cliente o que ele disse de uma forma amplificada ou mesmo exagerada (Exemplo: Cliente - Eu consigo controlar minha bebida. Terapeuta - Então quer dizer que você não tem nada a temer, álcool não é um problema para você). Deve ter-se cuidado pois um comentário deste num tom sarcástico pode ter o efeito inverso de aumentar a resistência, enquanto que o apropriado é fazê-lo diretamente, de forma a apoiar o cliente;
C- Reflexão de dois lados (double-sided): uma abordagem baseada na escuta crítica é constatar o que o cliente diz e acrescentar a isto, o outro lado da ambivalência do cliente, utilizando material fornecido anteriormente em outras sessões (Exemplo: Cliente - Está bem, eu tenho problemas com drogas, mas eu não sou um drogado. Terapeuta - Você não tem dificuldade em assumir que as drogas estão te prejudicando, mas você não quer ser taxado.);
D - Mudar o foco: aqui a idéia é mudar o foco de atenção do cliente de algo que parece uma barreira para sua evolução (Exemplo: Cliente - Eu sei que o que você quer de mim é que eu pare de usar tudo, fique totalmente careta, mas isso eu não vou fazer! Terapeuta - Ei, espera aí. Nós só estamos começando a conversar. Eu ainda não tenho condições de dizer o que é melhor para você, por isso não vamos ficar emperrados nesta discussão. Agora, o que devemos fazer é....);
E - Concordar, mas com alguma mudança: aqui o terapeuta concorda com algo que o cliente diz mas muda sutilmente de direção (Exemplo: Cliente - Não sei porque você e minha mulher pegam tanto no meu pé por causa do meu beber. E os problemas dela? Terapeuta - Você tem razão, temos de ter uma visão mais ampla: problemas de bebida envolvem sempre a família);
F - Enfatizar escolha e controle pessoal: estar sempre assegurando à pessoa que, no fim das contas, quem tem a última palavra é o cliente, ajuda a diminuir a relutância (Exemplo: Terapeuta - Ninguém pode mudar o seu hábito. No fim das contas, quem decide é você);
G - Reinterpretar: isto é, colocar os comentários do cliente num outro contexto ou mesmo dar-lhe outra interpretação, alterando o sentido (Exemplo: Cliente - Eu não aguento mais tentar parar e não conseguir, eu desisto. Terapeuta - Realmente, muitas vezes é difícil ver uma luz no fim do túnel. Eu percebo seu esforço em parar e te admiro por isso. Lembre-se do processo de mudança que discutimos: quanto mais vezes você passar pelas fases, mais chance de chegar à manutenção você terá.);
H - Paradoxo terapêutico: é como dizer ao cliente: "OK talvez seja melhor mesmo você continuar usando drogas..." de uma forma calma, de modo que o cliente resistindo ao terapeuta, possa mover-se adiante, assumindo que não quer mais usar drogas. Porém, esta estratégia requer muita experiência e deve ser usada com cuidado.
Em resumo, resistência pode transformar-se na chave para um tratamento de sucesso se o terapeuta souber reconhecê-la como uma oportunidade: em EM, faz parte da arte de ser terapeuta saber identificar e ultrapassar a resistência.
As duas fases do processo de mudança
Primeira fase: Estimulando motivação para mudança
Assume-se que o cliente neste momento está ambivalente e possivelmente no estágio de contemplação inicial ou mesmo pré-contemplação. Alguns pontos sobre esta fase serão mencionados (1) .
A primeira sessão é crucial e portanto há algumas coisas que precisam ser evitadas (e não apenas na primeira sessão!):
- perguntas e respostas, onde o terapeuta faz as primeiras e o cliente as segundas. Isso por um lado, estimula o cliente a dar respostas curtas e por outro, pressupõe uma dinâmica onde há uma pessoa ativa (o terapeuta) e outra passiva (o cliente). O ideal é fazer uma pergunta aberta e não responder com outra pergunta mas sim com a escuta critica, e nunca fazer 3 perguntas seguidas.
- confrontar o cliente com um problema e vê-lo reagindo com uma negação. Quanto mais confrontar o cliente, mais ele resistirá.
- o terapeuta assumir o papel de 'expert', deixando o cliente numa postura muito passiva. - categorizar o cliente (tipo alcoólatra ou dependente).
- não levar-se em conta o ritmo e as necessidades do cliente. Muitas vezes, querer ir direto ao assunto dependência pode acirrar a resistência. Muitas vezes, o cliente prefere falar de preocupações mais gerais e isto deve ser respeitado. Portanto, o foco de discussão deve ser determinado pelas necessidades do cliente.
- discutir de quem é a culpa, mesmo porque isso é irrelevante ao tratamento.
Abaixo serão mencionadas 5 técnicas comumente usadas na primeira fase:
A - Fazer perguntas abertas: na fase inicial da EM, é importante que o terapeuta estabeleça uma atmosfera de aceitação e confiança, para permitir ao cliente explorar seus problemas. E portanto, o cliente deve ser o que mais fala, com o terapeuta estando atento e estimulando esta fala. Uma forma de atingi-lo, é fazendo perguntas amplas e abertas, que não podem ser facilmente respondidas brevemente. Sempre ajuda, ter uma noção de qual é o problema do cliente previamente.
B - Escutar criticamente: ver a definição acima.
C - Reassegurar: pode ser de muita ajuda, apoiar seu cliente durante o processo de tratamento e isto pode ser feito através de reconhecimento pela sua evolução, com comentários de apreciação e de empatia. O simples fato de haver a escuta reflexiva é uma forma de 'dar uma força' a ele.
D - Resumir: fazer resumos esporádicos ajuda durante todo o processo da EM, pois além de ligar várias idéias tratadas em momentos diferentes, permitem ao terapeuta mostrar ao cliente que vem escutando o que ele diz e dá uma visão mais geral ao cliente sobre seus próprios comentários, muitas vezes facilitando uma mudança. Sempre vale iniciar o resumo com uma breve introdução sobre o que ocorrerá a seguir.
E - Estimular afirmações de auto-motivação (elicit self-motivational statements): se o terapeuta apenas se usar das 4 estratégias anteriores, existe uma grande chance de que o cliente ficará preso na ambivalência. Esta última técnica visa exatamente ajudar o cliente a resolver esta ambivalência. É função do terapeuta facilitar a elaboração destas afirmações de auto-motivação (1) . Elas podem ser de 4 tipos: reconhecimento de problema (ex: Eu nunca havia pensado no quanto estou bebendo), expressão de preocupação (ex: Estou realmente preocupado com isso), intenção de mudar (ex: Eu tenho que fazer algo, a respeito) e otimismo (Ex: Eu acho que posso fazê-lo). Como o terapeuta pode promover essas afirmações é uma das funções chave da EM.
Segunda fase: Estimulando o compromisso com a mudança
Este é o momento de mudar as estratégias. Aqui, a pessoa já está pronta para mudar e o principal objetivo é de auxiliar o cliente a confirmar e justificar a decisão de mudança tomada. Para tal, é preciso que o cliente esteja no momento certo, isto é, chegado ao estágio de preparação.
Algumas dicas de que a pessoa está pronta para passar da primeira para a segunda fase são:
- diminuição da resistência;
- diminuem as questões do cliente sobre seu problema;
- o cliente parece ter resolvido algo, mostrando-se mais calmo:
- o cliente já faz afirmações de auto-motivação;
- aumentam as perguntas sobre mudança: como seria, o que fazer, etc;
- o cliente começa a falar de como seria se ele mudasse;
- o cliente começa a experimentar mudança, por exemplo, entre as sessões, ficar sem consumir.
Uma vez atingida esta segunda fase, a maior parte do trabalho de EM foi feito. É como se faltasse ao cliente colocar as botas, escolher qual dos caminhos pegar e começar a caminhada. À partir daqui, o papel do terapeuta é de ser um guia neste caminho. É preciso ter em mente algumas possíveis complicações: a ambivalência ainda não desapareceu e o plano de mudança feito deve ser algo aceitável para o cliente. Devese lembrar que o terapeuta tem de dar espaço de decisão ao cliente. Ao mesmo tempo, ele deve cuidar para não cair no lado oposto de dar insuficiente direção ao cliente, deixando-o perdido.
Vale, uma vez chegada a segunda fase, fazer uma recapitulação do que se passou até então no processo terapêutico, com o principal intuito de listar o maior número de razões para seu cliente mudar e ao mesmo tempo indicar qualquer ambivalência ou relutância. Este resumo é usado como a preparação final para a transição ao compromisso de mudança. Geralmente nesta fase, o cliente pede opinião. É bastante apropriado que o terapeuta ofereça algum conselho, caso isto lhe seja pedido. Além disso, é importante que o conselho seja dado de forma bastante impessoal, permitindo ao próprio cliente julgar se isto se adapta à sua situação. Vale a pena também, não restringir sua opinião a um conselho, mas dar várias alternativas, tendo-se em mente que, quando é a própria pessoa a decidir o seu futuro, maiores as chances de aderir e de ter sucesso (6) .
Um aspecto importante da segunda fase é a emergência de um plano e deste processo de negociação faz parte estabelecer objetivos e considerar opções de mudança. Uma vez negociado um plano, deve -se auxiliar o cliente nos aspectos práticos deste, inclusive colocando no papel o plano em si, datas, quem procurar no caso de isto ou aquilo acontecer, resultados esperados, etc. Daí, o que se segue é o cliente assumir a responsabilidade por seu plano, decidindo quais passos tomar imediatamente. Neste momento, seu cliente estará visivelmente no estágio de ação.
Mas vale ressaltar 3 aspectos para se ter em mente:
- no tratamento de dependentes não existe um tratamento que seja o melhor, há literatura que orienta como conciliar a técnica com o cliente (49,50.51) e por mais que se tente escolher a melhor opção, o cliente pode não escolher a solução mais apropriada da primeira vez e recair;
- Recair é um aspecto da recuperação (26) . E como a espiral de mudança mostrou anteriormente (25) a maioria das pessoas têm de passar várias vezes pelo processo para conseguir sair no final;
- É importante sempre respeitar o momento do cliente. Se seu cliente não está pronto para assumir este compromisso, o melhor é que ele reflita mais e que vocês possam continuar conversando sobre a situação.
5 - Futuras pesquisas
Motivação é um tema essencial na abordagem de populações usuárias de álcool e drogas, já que afeta diretamente o grau de aderência ao tratamento, e não apenas nesta área mas na área de saúde em geral. Internacionalmente, muito se tem aplicado e discutido a EM e alguns aspectos poderiam ainda ser discutidos em termos futuros. Entre eles estão:
a efetividade da EM em comparação com outras abordagens, o quão breve pode ser uma EM para conseguir afetar a motivação dos sujeitos e o quanto as mudanças feitas neste processo podem durar, quais são as condições necessárias e suficientes para a EM ter sucesso, quem se beneficia com a EM e quem não, o quanto as expectativas do terapeuta e do cliente podem afetar a efetividade do tratamento e finalmente porque a EM foi adotada em algumas comunidades (tipo Inglaterra) e nem tanto em outras (EUA) (28) .
Estas são algumas questões ainda a serem respondidas num contexto onde questões mais primárias já foram trabalhadas. Aqui no Brasil, muito pouco se faz e se fala sobre EM e com exceção de alguns serviços especializados em dependências que a utilizam, esta técnica ainda não foi difundida. Portanto, é importante que, baseados na teoria acima descrita e nas experiências reportadas no exterior, nós possamos aplicar e então adaptar a técnica à nossa realidade, levando em conta a nossa população (em geral uma população mais carente, de baixo nível sócio-econômico, educação pobre e mesmo com problemas com drogas específicas como por exemplo, o crack). O que fica evidente é que por ser uma técnica breve e diretiva, vem a suprir uma das necessidades básicas da situação do serviço público que é o excesso de demanda para uma falta de técnicos.
Referências
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Flávia S. Jungerman, (1); Ronaldo Laranjeira, (2)laranjeira[arroba]uniad.org.br (1) MSc: Psicóloga clínica e pesquisadora da UNIAD (Unidade de Pesquisas em Álcool e drogas) da UNIFESP.(2) Ph.D: Psiquiatra e coordenador da UNIAD (Unidade de Pesquisas em Álcool e drogas) da UNIFESP

Indicação: ENTREVISTA MOTIVACIONAL / William R. Miller, Stephen Rollnick



A entrevista motivacional é uma técnica eficaz para superar a ambivalência e ajudar o paciente a “desemperrar”. Primeira apresentação completa desta poderosa técnica para profissionais, este livro foi escrito pelos psicológos que introduziram e têm desenvolvido a entrevista motivacional desde o início da década de 1980.
PARTE I. INTRODUÇÃO 1. A atmosfera da mudança 2. O que motiva as pessoas à mudança? 3. Intervenção breve: mais peças do quebra-cabeça 4. Ambivalência: o dilema da mudança PARTE II. A PRÁTICA 5. Princípios da entrevista motivacional 6. Fase I: Estimular a motivação para a mudança 7. O uso dos resultados de avaliações 8. A resistência 9. Fase II. Fortalecendo o compromisso com a mudança 10. Situações típicas e difíceis 11. Exemplo prático de um caso 12. O ensino da entrevista motivacional PARTE III. APLICAÇÕES CLÍNICAS DA ENTREVISTA MOTIVACIONAL 13. Entrevista motivacional e os estágios da mudança 14. A entrevista motivacional breve para o uso de profissionais não-especializados 15. Entrevista motivacional: perspectivas da Holanda com especial ênfase em pacientes dependentes de heroína 16. Aconselhamento motivacional com casais alcoolistas 17. Fortalecendo soluções: a motivação na prevenção de recaídas na dependência grave do álcool 18. A entrevista motivacional com jovens 19. O consumo de álcool e as hierarquias de metas: aconselhamento motivacional sistemático para alcoolistas 20. Lidando com problemas de uso de álcool na comunidade 21. A intervenção motivacional com usuários de heroína em uma clínica de metadona 22. O uso da entrevista motivacional na redução de riscos de HIV 23. A intervenção motivacional no tratamento de criminosos sexuais 24. A entrevista motivacional e a manutenção da mudança.
Serviço:

Entrevista Motivacional
Preparando as pessoas para a mudança de comportamentos adictivos
Miller, William R.; Rollnick, Stephen;
Código: 8573077387Formato: 17,5x25ISBN: 9788573077384Ano: 2001N. de páginas: 296
R$ 56,00

TC e Dependência Química: Fatores Relevantes da Psicoterapia com Usuários de Drogas




Fatores Relevantes da Psicoterapia com Usuários de Drogas
Felipe Stock Tomasi*
Resumo
Este artigo pretende contribuir para a reflexão sobre o uso de drogas e o seu tratamento. Aborda a droga no mundo atual e algumas técnicas psicoterápicas vigentes. Os aspectos abordados são: o início do tratamento e suas peculiaridades, o papel da família como agente terapêutico, a Entrevista Motivacional e a Prevenção da Recaída como técnicas para o êxito do processo e o projeto de vida do cliente. Para ilustrar a temática, é apresentado o relato de um caso clínico.
Palavras chaves:
Psicoterapia; drogas; cognição; motivação.
Abstract
This article intends to contribute for a reflection on drug use and its treatment. It approaches the drug in the current world and some psychotherapy techniques. The beginning of the treatment and its peculiarity, the family as therapeutical agent, the Motivation Interview and the Relape Prevention again one as techniques for the success of the process and the project of life of the user. E to illustrate the thematic it is, reported a clinical case.
Descriptors
Psycotherapy; drugs; cognition; motivation.
I - Introdução
O uso de drogas é um dos maiores problemas enfrentados pela sociedade atual, atingindo todas as culturas em diferentes camadas sociais. Esse consumo, por si só, causa grandes danos à comunidade, fortalecendo a criminalidade, a violência, a corrupção, o poder paralelo aos governos e outros tantos de gravidade próxima. O uso de substâncias já faz parte da sociedade há milênios, existem achados de jarras com resíduos de vinho que datam de 5400 a.C. (Sielski, 1999). Porém nunca houve um consumo tão elevado e diversificado de tóxicos como os dias de hoje. Os meios de comunicação, quase que diariamente, noticiam fatos relacionados com o consumo de substância psicoativas, parece-nos que estamos enfrentando uma epidemia dessa prática.
Esse assunto torna-se mais alarmante devido ao aparecimento contínuo de novas drogas. Tais substâncias são modificadas por cientistas, chamados projetistas de drogas (drug designers) em laboratórios clandestinos, contendo um maior potencial de intoxicação e dependência. Possuem baixo custo, o que facilita sua distribuição, não possuindo nenhuma utilidade para área médica. Uma das drogas do gênero bastante conhecida é o "Ecstasy". Outro exemplo do refinamento das drogas é a maconha usada atualmente, pois nos anos 60, o teor de THC (tetrahidrocanabinol), princípio ativo da maconha, variava de 2% a 4%. Ao longo do tempo, foram elaboradas outras formas de produção dessa droga, com o intuito de elevar o teor da substância, como o haxixe, o "skunk", entre outras. Atualmente, existe a maconha modificada geneticamente, que aumentou em 18% o percentual alucinógeno (Cavalcante, 1997).
Devido à sua grande abrangência, o assunto tem bastante repercussão social, e, por conseqüência, uma constante presença nos meios de comunicação. Nos telejornais ou nas próprias novelas, o tema, geralmente, está presente. Entretanto, muitas vezes, o assunto é tratado de forma sensacionalista pela mídia, ou supervalorizado por grupos de músicos para obter "status". Um exemplo são as bandas de "rock" que fazem apologia ao uso da maconha. Dessa forma, o público recebe mensagens distorcidas sobre o problema. Essas mensagens são utilizadas por usuários de drogas para justificar o uso ou como maneira de atrair novos consumidores ao seu grupo. Expressões como "maconha é uma droga natural, por isso não pode lhe prejudicar", ou "todo mundo usa drogas", são comumente pronunciados por usuários de substância no início da psicoterapia ou para o grupo familiar.
A propaganda realizada por pessoas que usam e vendem a droga é bastante intensa, embora não apareça nos meios de comunicação de massa, podem ser tão poderosos quanto. Este marketing é realizado pelo boca-a-boca. Personalidades importantes que usam ou pessoas da comunidade que utilizam há algum tempo, são exemplos perfeitos para demonstrar que o uso de drogas não acarreta nenhuma perda significativa para o indivíduo. Outras maneiras de se transmitir essas idéias, no grupo de adolescentes, por exemplo, são frases como "tu é careta se não usares" ou "vamos usar para nos divertir", expressões comumente referidas para induzir os jovens. Essas idéias passam a ser tão habituais ao longo do tempo, que se tornam verdades absolutas e inquestionáveis.
É fundamental, no início do tratamento, salientar ao usuário que o uso de drogas é um problema de saúde mental e física, que apresenta uma série de prejuízos e comprometimentos devido ao seu consumo, sendo considerada como uma doença crônica, como diabetes, entre outras (Leite, 2001).
Dentro das famílias, em geral, o tema é abordado como sendo uma falha no caráter, que são pessoas sem moral. Esta postura não contribui em nada para o tratamento, pois os familiares crêem que "é só querer, que ele consegue". Via de regra não há uma avaliação correta da dimensão que a droga ocupa na vida do indivíduo. Essa linha de pensamento esta centrada na moralidade, algo que dominava o pensamento na área da saúde até poucos anos atrás. Nesta perspectiva, o adicto é uma pessoa que não tem "fibra moral" para resistir à tentação.
A Organização Mundial da Saúde apresenta uma definição clara e abrangente sobre a questão, compreendendo o uso de drogas como:
um estado psíquico e físico resultante da interação entre um organismo e um produto. Essa interação caracteriza-se por modificações do comportamento e por outras reações que obrigam fortemente o usuário a tomar o produto contínuo ou periodicamente, com o fim de encontrar os efeitos psíquicos e, às vezes, evitar o mal-estar da privação (Bergeret e Leblanc, 1991, p. 63).
O problema é bastante abrangente e causa prejuízo em todas as instâncias do Estado. Afeta os indivíduos e seus familiares, os vizinhos e a comunidade em que vive. Segundo a Secretaria Nacional Antidrogas - SENAD (Leite, 2001), os custos da dependência incluem gastos de toda a ordem, pessoais, familiares, do sistema de saúde, do sistema judicial, dos serviços policiais, sendo um peso importante no orçamento da nação. Tratar a dependência significa investir para a redução desses gastos.
O leitor leigo no assunto pode acreditar que as informações apresentadas nesse artigo estão longe de nossa realidade ou pensar que são opiniões exageradamente pessimistas. Porém estudos sérios realizados indicam um crescente consumo de drogas, principalmente, entre as crianças e os adolescentes, além de identificar outros dados alarmantes sobre a temática. Jaber e André (2002, p. 2) confirmam esta problemática afirmando "que pelo menos dois terços da população americana acima de 14 anos consomem álcool e 7% dos adultos podem ser considerados bebedores pesados". O Brasil ocupa o terceiro lugar mundial em consumo e produção de bebidas alcoólicas, sendo o maior produtor de bebidas destiladas.
É fundamental mobilizar a sociedade para combater este problema que aflige, direta ou indiretamente, todas as famílias. Algumas medidas facilitam esta conscientização. Procurar informações e auxílio nos órgãos responsáveis, em instituições ou centros especializados no assunto são formas de obter uma condição de vida melhor para todos.

II - Psicoterapia com usuários de drogas
Devido ao seu caráter crônico e recidivante o problema é grave e envolve múltiplos fatores em sua etiologia. Fatores psicológicos, sociais e fisiológicos influenciam no papel da produção do comportamento do usuário. Por isso, o enfoque do tratamento também deve ser eclético, tentando auxiliar o indivíduo em suas inúmeras áreas de atuação. Os cuidados advêm das diferentes áreas do saber, como, a psicologia, a psiquiatria, a enfermagem, a assistência social, a educação física, entre outras. Diferentes ferramentas terapêuticas devem integram este apoio, tais como os grupos de auto-ajuda como os Narcóticos Anônimos e as comunidades terapêuticas.
É importante ressaltar que o usuário, via de regra, não procura o tratamento por estar convencido de que esta lhe traga algum prejuízo. Geralmente, quando o usuário o faz, é por pressões familiares ou devido aos acúmulos ao longo da vida de problemas e prejuízos causados pelo consumo de substâncias. A SENAD (Leite, 2001) relata que os principais motivadores da busca do serviço de assistência para uso de drogas são as complicações orgânicas, ocupacionais, interpessoais, legais, financeiras ou psiquiátricas.
A questão fundamental para discutirmos esse assunto é saber por que tratar. O tratamento de usuários, como conhecemos hoje em dia, já possui um longo percurso, que foi da punição com agressões físicas ao entendimento de vários processos cognitivos da patologia. Scott e Mark (1994) afirmam que, nos últimos 10 anos, o papel dos fatores cognitivos na adicção tem sido visto com crescente interesse. Os modelos antigos da doença compreendiam os dependentes como sofrendo de uma doença que limitava seu controle sobre suas próprias ações. Este modelo está sendo substituído por um modelo de autocontrole, que salienta a contribuição do indivíduo através de seus pensamentos e ações na sua dependência das drogas.
Marlatt e Gordon (1993) afirmam que as intervenções terapêuticas eficazes devem diferenciar entre a abordagem inicial da mudança comportamental e sua manutenção ao longo do tempo, acomodando ambos os componentes, para que isto resulte em uma mudança pessoal duradoura. Ter consciência dessa simples diferença no tratamento é de fundamental importância, pois na grande maioria dos casos o não reconhecimento dessa divisão gera atraso na terapia, perda de tempo e erro de foco terapêutico.
Segundo Ramos e Bertolote (1997) "para a maioria das pessoas é relativamente fácil mudar temporariamente qualquer comportamento indesejado. A manutenção dessa mudança, no entanto, é tarefa bem mais complexa e difícil" (p.173).
Esta idéia está embasada no entendimento que os comportamentos adictivos são vistos como hábitos hiperaprendidos que podem ser analisados e modificados do mesmo modo que outros hábitos (Marlatt e Gordon, 1993). Por isso, o treinamento de habilidades deve ser uma prática constante dentro da terapia, respeitando a necessidade e capacidade de cada indivíduo.
A seguir são expostos alguns fatores importantes que devem ser abordados na psicoterapia com usuários de droga, como o início da terapia, a família do usuário, técnicas motivacionais, prevenção da recaída e o projeto de vida.

III - Os primeiros contatos
Realizar a avaliação detalhada do caso consiste em uma tarefa importante do terapeuta cognitivo no início do tratamento. Este processo torna o trabalho centrado nos problemas do usuário, pois em geral, ele tende a focalizá-lo em outras pessoas. Jaber e André (2002) afirmam que, para que o tratamento seja bem sucedido, a primeira coisa que um profissional de saúde deve ter em mente é a importância de se saber identificar e abordar adequadamente o cliente.
Ramos e Bertolote (1997) afirmam que a correta identificação dos problemas e a realização do diagnóstico multiaxial dos pacientes representam, não só uma importante contribuição à nosografia do drogadicto, como também um elemento fundamental para a planificação de estratégias de intervenção preventivas, terapêuticas e reabilitadoras. Além disso, permite a sua mais eficiente monitorização e avaliação.
A história clínica do paciente dependente deve conter algumas informações essenciais. As drogas previas e atualmente utilizadas, se há consumo simultâneo de álcool, quais as vias de uso atuais e anteriores e a quantidade consumida comumente. As informações sobre o consumo devem ser recolhidas paralelamente à história de vida do paciente, sugerindo determinado contexto que contribuíram para o uso de drogas. Outro fator de identificação é a combinação de fatores da vida do sujeito que facilitaram ou mesmo propiciaram o início do consumo, sua progressão, o surgimento dos prejuízos relacionados, a busca de tratamento (Leite, 2001).
Se o terapeuta e/ou o paciente não sabem onde estão, torna-se difícil planejar como chegar ao local idealizado. Algumas vezes, as pessoas deixam de mudar porque não reconhecem sua situação atual. A avaliação e o conhecimento claro sobre a situação presente é um elemento essencial para o processo de mudança. Por isso realizar o diagnóstico multiaxial, a tríade cognitiva de Beck e o diagrama de conceitualização de caso com o paciente é fundamental para a escolha das técnicas a serem utilizadas e os rumos que a terapia deve seguir.
É importante ressaltar que as taxas de comorbidade no abuso de drogas ou dependência química e outros transtornos mentais, têm se mostrado elevadas, sendo comumente diagnosticados nos centros de tratamento (Pulcherio e Bicca, 2002).
Outro fator que o terapeuta deve estar atento no início do tratamento é estabelecer um bom vínculo com o cliente, para que a confiança possa crescer gradativamente. Existem inúmeros fatores que auxiliam para que este processo ocorra, como, empatia, cordialidade, respeito, escuta reflexiva, atenção aos detalhes do relato do cliente e competência em avaliar. O entendimento claro da sintomatologia do cliente, saber os jargões que o seu grupo utiliza, entender seus prazeres, completam o modelo para conseguir uma vinculação que gere bons frutos terapêuticos.
O contrato deve ser detalhado e bem explicado, para não suscitar nenhum mal entendido, tanto para o paciente, quanto para a família. Avaliar e conscientizar o paciente sobre as reais expectativas e crenças em relação ao tratamento, pois a probabilidade de recaída é aumentada se o indivíduo mantém expectativas supervalorizadas quanto à facilidade de se livrar das drogas. Segundo Marlatt e Gordon (1993) a recaída acontece devido a "sedução da gratificação imediata da droga que se torna a figura dominante na área perceptiva, enquanto a realidade das conseqüências totais do ato é negligenciada" (p.36).
Durante as combinações iniciais, o psicoterapeuta pode sugerir ao usuário que ele se integre a um grupo de mútua-ajuda (A.A. ou N.A.). Estes grupos são agentes operacionais na recuperação e reinserção social dos dependentes de drogas, atuando ainda na reestruturação familiar (NAR-ANON) e na prevenção à dependência. São reuniões que se caracterizam pela informalidade e têm como propósito a troca de experiências. São constituídos por leigos e voluntários, não possuindo qualquer ônus para a comunidade e a sociedade em geral. (Ramos e Bertolote, 1997)

IV - Família
Considerando-se que a etiologia da dependência química é multicausal e que a maior parte dos dependentes químicos mantêm vínculos familiares, torna-se necessário associar a prevenção ao uso de drogas com o contexto familiar, sendo fundamental que a família participe ativa e funcionalmente nesse processo (Hintz, 2002).
Segundo Miller e Rollnick (2001)
"Os fatores sociais e culturais afetam as percepções que as pessoas têm de seus comportamentos, bem como sua avaliação de custos e benefícios. Por isso, mesmo em diferentes zonas e grupos sociais dentro de uma mesma cidade, as pessoas podem ter visões muito diferentes quanto aos prós e contras de um comportamento". (p. 54).
Os fatores de aprendizado social e de modelagem, como aprender por observação, exercem uma forte influência, por exemplo, no uso de drogas na família ou no grupo de amigos, juntamente com a exibição ampla do uso de drogas nos anúncios e meios de comunicação, facilitando a manutenção do comportamento adicto. (Marlatt e Gordon, 1993)
Por isso podemos entender porque a família tem um caráter tão importante, talvez, vital para o bom andamento da terapia. Quando o grupo familiar entende o que é dependência química e as conseqüências que advêm da drogadicção, eles auxiliam o terapeuta no tratamento, ganhando este, um forte aliado para combater a drogadicção.
Os familiares devem ter em mente que a tarefa de ajudar um membro da família a cessar o uso de drogas constitui-se de uma empreitada complexa, que deverá necessitar de coragem e persistência. Eles terão que mudar seus comportamentos em inúmeros aspectos, como seus hábitos e crenças a respeito da droga, impondo os devidos limites para o usuário. Promover exemplos saudáveis também se constitui de uma prática importante.
O grupo de apoio primário auxilia tanto para corroborar informações obtidas junto ao paciente, como para investigar fatores familiares que possam estar contribuindo para o consumo. A entrevista com um familiar fortifica o estabelecimento de uma rede de suporte que ajude o paciente em seus primeiros passos no processo de abstinência (Leite, 2001).
Barcelos (2000) afirma que os familiares não têm poder para, de forma rápida, fazer seu filho deixar de usar drogas. A reação natural, então, é acreditar que seja sem-vergonhice, mau-caratismo, falta de força de vontade ou influência das más companhias. Os filhos alimentam essas crenças distorcidas nos pais, fazendo seguidamente juramentos de que pararam com as drogas, com o intuito de começar tudo de novo.
Por vezes a família assume a responsabilidade por tudo que está ocorrendo. Todos procuram fazer algo para contribuir com esta problemática, sem sucesso. A família precisa ter consciência de seus papéis, procurar grupos de familiares de dependentes (NAR-ANON), pois há necessidade de monitorar de forma efetiva o usuário, suas circunstâncias e seus comportamentos. Isto protege o dependente e a própria família, tornando o processo menos dolorido. Com esse objetivo em mente, cada membro da família age de modo coordenado, não sendo alvo fácil da manipulação do usuário.
Michel (2000) afirma que educar os pais é imprescindível. As escolas de pais que já se têm organizado, podem desempenhar uma ação verdadeiramente salvadora quanto aos desvios que se têm observado no comportamento dos jovens.
De modo geral, devemos optar pela psicoeducação sobre a doença, orientando a família sobre condutas mais adequadas para eles e o paciente, bem como resgatar a esperança e assinalar comportamentos que possam gerar recaídas (Ramos e Bertolote, 1997).

V - Entrevista Motivacional
Segundo Laranjeira et al (2001)
"O conceito de motivação tem recebido uma atenção grande na área das dependências. (...) A prática clínica tem adotado uma perspectiva de motivação como algo relativamente imutável, ou seja, o paciente está motivado para o tratamento e, nestas condições, o terapeuta teria um papel definido de ajudar a pessoa, ou o paciente não está motivado e, então, o tratamento não seria possível. Porém, hoje em dia, percebe-se que o quadro não é assim tão rígido, isto é, a técnica denominada Entrevista Motivacional postula que a aderência do dependente ao tratamento depende de sua motivação, atitude esta passível de ser modificada ao longo do tratamento" (p.19).
A entrevista motivacional é uma abordagem empregada para auxiliar o cliente a desenvolver um comprometimento e a tomar a decisão de mudar. É uma forma de ajudar as pessoas a reconhecer e fazer algo a respeito de sua problemática. Esta técnica possui bons resultados para pessoas que relutam em mudar comportamentos que trazem prejuízos significativos. Seu principal foco de atuação está na ambivalência do Cliente frente à mudança. Visa orientações oportunas, diretivas e focadas na escolha de comportamentos que promovam melhora na qualidade de vida.
A ambivalência é um componente normal e comum nas dificuldades dos indivíduos, porém nos comportamentos adictivos, é o fenômeno central. São pessoas que possuem dificuldades em escolher o que querem. O grande desafio do psicoterapeuta é descobrir como ajudar a fortalecer a motivação para a mudança do comportamento do cliente, visando os aspectos saudáveis que o mova ao desenvolvimento pessoal.
Miller e Rollnick (2001) em seu livro "Entrevista Motivacional" contribuíram com avanços para o tratamento da drogadicção, pois apontam os estágios que os clientes encontram-se para realizar as mudanças de comportamento. Os estágios estão divididos em:
pré-ponderação: são indivíduos que nem sequer estão pensando sobre a mudança. Na verdade, eles não compreendem o comportamento como um problema, ou pelo menos não acreditaram que ele seja tão problemático quanto os observadores externos acreditam. Nesta fase o terapeuta deve promover dúvidas, tentando aumentar a percepção do paciente sobre os riscos e problemas do seu comportamento atual;
ponderação: são pacientes que estão dispostos a considerar o problema e avaliam a possibilidade de mudar, porém com alguma resistência. Neste estágio os pacientes consideram as informações que lhe são fornecidas. O terapeuta deve inclinar a balança motivacional (fatores favoráveis e contrários do comportamento), focalizando as perdas e os riscos de não mudar suas atitudes;
determinação: são os clientes que estão decididos a dar os primeiros passos para interromper o comportamento-problema. As pessoas nesse estágio farão ou já fizeram uma tentativa séria de mudança. Eles parecem estar prontos e comprometidos com a ação. Nesse momento o terapeuta deve estar atento e ajudar o paciente a determinar a melhor linha de ação a ser seguida para obtenção da mudança.
ação: neste período os indivíduos estão comprometidas com o tratamento, fazendo mudanças significativas de comportamento. Utilizam a terapia para obter apoio. Neste período o terapeuta deve valorizar as atividades bem-sucedidas e suas decisões, ajudando-o a aumentar sua sensação de auto-eficácia;
manutenção: neste momento o paciente está estabelecendo com firmeza o novo comportamento. A ameaça de recaída ou de um retorno aos padrões antigos se torna menos freqüente. Como a mudança requer a construção de um novo padrão de comportamento, este leva algum tempo para se estabelecer. Fazer "feedbacks" de que é necessário um certo tempo para alcançar as mudanças sustentadas, sendo que algumas recordações podem trazer lembranças associadas ao comportamento adictivos;
recaída: quando o cliente retoma o antigo padrão de consumo de droga, ou se utiliza da substância com menor quantidade que o habitual, sendo entendido como lapso. O terapeuta deve ajudar o paciente a renovar os processos de ponderação, determinação e ação, sem que este fique imobilizado ou desmoralizado devido à recaída.

VI - Prevenção da recaída
Devido a sua cronicidade, a dependência de drogas possui uma característica fundamental que é a grande probabilidade de retorno as sintomatologias (recaídas) em alguns períodos da vida do indivíduo.
A dependência é, por sua própria natureza, um transtorno com recaídas. Um dos princípios de qualquer modelo de autocontrole da dependência é que a recaída pode ser uma oportunidade para um aprendizado adicional e não uma indicação de fracasso. Quando o indivíduo lida eficazmente com a situação, tende a experienciar um senso de domínio ou percepção de controle (Scott e Mark, 1994).
Marlatt e Gordon demonstram em seu livro que o programa de prevenção da recaída é um dos instrumentos que promovem resultados positivos para transtornos adictos. Afirmam que o programa consiste de um
automanejo que visa melhorar o estágio de manutenção do processo de mudança de hábitos. O objetivo é ensinar os indivíduos que tentam mudar seu comportamento a prever e lidar com o problema da recaída. Em um sentido muito geral, recaída refere-se a um colapso ou revés na tentativa de uma pessoa para mudar ou modificar qualquer comportamento-alvo" (Marlatt e Gordon, 1993, p.3).

Ramos e Bertolote (1997) resumem os objetivos da prevenção da recaída em:
modificar crenças e expectativas acerca do uso de drogas;
identificar e antecipar as situações de risco para recaída;
aprender habilidades e estratégias de enfrentamento e manejo de situações de risco;
promover amplas modificações no estilo de vida.

VII - Projeto de vida
No decurso do envolvimento com substâncias psicoativas, alguns dos objetivos existenciais do indivíduo podem se perder. Apenas "eliminar" a droga pode representar muito pouco, na medida em que permanece um espaço vazio que necessita ser preenchido. O trabalho terapêutico deve buscar, colaborativamente, identificar e estimular um projeto de vida que promova um sentido existencial para o indivíduo. (Ramos e Bertolote, 1997)
Marlatt e Gordon (1993) sugerem que
o grau de equilíbrio no estilo de vida diário de uma pessoa tem um impacto significativo sobre o desejo de indulgência ou gratificação imediata. Aqui, equilíbrio é definido como o grau de harmonia existente na vida diária da pessoa entre aquelas atividades percebidas como 'incômodos' externos ou demandas (os 'deveres') e aquelas percebidas como prazeres ou auto-satisfação (os 'desejos'). Um estilo de vida com uma preponderância de 'deveres' freqüentemente está associado com uma maior percepção de autoprivação e um desejo correspondente por indulgência e gratificação (p.42).
A mudança bem-sucedida no estilo de vida também não pode ser estabelecida em um período relativamente curto. Do mesmo modo que outras habilidades levam tempo para serem dominadas, também o desenvolvimento de um novo padrão de hábitos consome longo período.
A meta final de todo o tratamento que visa auxiliar o indivíduo a modificar um comportamento adicto é ajudar o indivíduo a fazer mudanças eficazes em sua vida. (Miller e Rollnick, 2001)

VIII - Relato do caso
M. é do sexo masculino, tem 29 anos e se encontra há 3 meses em tratamento. Procurou atendimento psicológico depois de ser aconselhado por um policial. Estava com um amigo sob os efeitos de drogas, cocaína e álcool, quando foram agredir um terceiro, também usuário, em sua residência. Devido ao acontecido, os dois foram para a delegacia. Houve uma longa conversa com os policiais e a abertura do boletim de ocorrência.
O cliente é filho único e perdeu o pai aos 12 anos, vítima de uma doença grave. É casado há menos de um ano com V., 19 anos. Os dois consumaram a união depois de descobrir que ela estava grávida. Hoje a filha tem um ano e meio . M. construiu a moradia da família, a pedido da esposa, nos fundos da casa da sogra.
M. relata que desde pequeno, entre 8 ou 9 anos, seus familiares lhe davam bebidas alcóolicas. Diz que "sempre gostou de beber", refere que esse é seu maior problema. Experimentou maconha aos 17 anos, porém fumou e não aprovou os efeitos. Iniciou o uso de cocaína aos 20 anos, afirma que este ato ocorreu devido a uma desilusão amorosa. Consumia álcool e cocaína, inicialmente, com os amigos nas festas, com o intuito de perder a timidez e conseguir aproximar-se das meninas.
No inicio do tratamento a família ficou bastante assustada com o problema das drogas, não acreditando que o paciente poderia ter esse tipo de atitude, pois existia a crença de que esses comportamentos eram típicos de bandidos e marginais. Aos poucos os familiares começaram a compreender a doença, com o auxílio da literatura, do grupo de pais, da equipe técnica e outros meios de informação. Atualmente, o grupo familiar participa ativamente das estratégias terapêuticas, facilitando o processo de recuperação de M.
Em termos de motivação, M. está bem consciente do seu problema, considera o uso de drogas uma patologia. Possui excelentes estratégias de enfrentamento do problema, sabendo reconhecer os fatores de riscos e de proteção. Durante o tratamento recaiu algumas vezes por acreditar que poderia enfrentar uma situação de alto risco. Apesar desses momentos, conseguiu retirar boas experiências sobre seu problema.
Na tentativa de realizar um entendimento da sintomatologia do cliente, a hipótese diagnóstica para o caso é Transtorno Depressivo Maior - moderado, Dependência de Cocaína, Dependência de Álcool e problemas com o grupo de apoio primário, não sendo informado outros dados clínicos. Possui pensamentos de menos valia de si e de seu futuro.
Atualmente, M. está há três meses sem usar cocaína e álcool. Está a procura de um emprego que lhe possibilite um crescimento profissional. Sua depressão não está atuante, tendo pensamentos e comportamentos realistas e favoráveis. Ingressou em um curso de graduação do superior Universidade, trancando devido a falta de condições financeiras.

IX - Considerações Finais
No que se refere à drogadicção, sabe-se que as pessoas com estes problemas podem persistir em seus hábitos, apesar do sofrimento e perdas pessoais. Obviamente, um simples aumento das conseqüências dolorosas nem sempre consegue deter esses comportamentos. Por vezes, essas conseqüências parecem apenas fortalecer e arraigar ainda mais um padrão de comportamento. Por isso é fundamental persistir com o tratamento, por maior dificuldade que exista, até a tomada de decisão do cliente frente ao seu comportamento adicto.
"A terapia cognitiva provavelmente não provará ser uma panacéia para a dependência a drogas, mas existem evidências encorajadoras, dos estudos clínicos e pesquisas, de que prestará uma contribuição significativa para as dependências" (Scott e Mark, 1994, p.196).
Em suma, entendemos que por muitas vezes pouco poderá ser feito se o usuário não se conscientizar que o uso de substâncias psicoativas é extremamente danoso para sua integridade. Que seu prazer momentâneo, ao longo do tempo, se tornará somente a necessidade pela substância, gerando desprazer e angústia. Entretanto, acreditamos ser sempre válido qualquer tentativa, uma simples conversa, uma informação, que, por vezes, pode causar alguma modificação, trazendo, no futuro, a motivação que o cliente necessita para enfrentar sua patologia.

Referências bibliográficas
Barcelos, C. (2000). Quero Meu Filho de volta. São Paulo: Editora Gente.
Bergeret, J; Leblanc, J. (1991). Toxicomanias, uma visão multidisciplinar. Porto Alegre: Artes Médicas.
Cavalcante, A. (1997). Drogas, esse barato sai caro. Rio de Janeiro: Rosa dos Ventos.
Hintz, H. (2002). O papel da Família. In: Pulcherio, G. Bicca, C. Silva, F.A. Álcool, outras drogas informação. São Paulo: Casa do Psicólogo.
Jaber, J. André, C. (2002). Alcoolismo. Rio de Janeiro: Revinter.
Laranjeira, R. Andrade, A. Leite, M. Focchi, G. (2001). Dependência química, novos modelos de tratamento. São Paulo: Roca.
Leite, M. (2001). Aspectos Básicos do Tratamento da Síndrome de Dependência de Substâncias Psicoativas,(2ed.). Brasília: Presidência da República, Gabinete de Segurança Institucional, Secretaria Nacional Antidrogas.
Marlatt, G. Gordon, J. (1993). Prevenção da Recaída. Porto Alegre: Artmed.
Miller, W. Rollnick, S. (2001). Entrevista Motivacional. Porto Alegre: Artmed.
Michel, O. (2000). Alcoolismo e drogas de abuso, problemas ocupacionais e sociais. Rio de Janeiro: Revinter.
Pulcherio, G. Bicca, C. (2002). Avaliação dos transtornos comórbidos. In: Pulcherio, G. Bicca, C. Silva, F.A. Álcool, outras drogas informação. São Paulo: Casa do Psicólogo.
Ramos, P. Bertolote, J. (1997). Alcoolismo Hoje. 3ed. Porto Alegre: Artes Médicas.
Scott, J. Mark, J. (1994). Terapia Cognitiva na Prática Clínica. Porto Alegre: Artes Médicas.
Sielski, F. (1999). Filhos que usam drogas: guias para os pais. Curitiba: Adrenalina.
Tiba, I. (1999). Anjos Caídos. São Paulo: Editora Gente.

* Felipe Stock Tomasi, Psicólogo do Centro Wallace Mandell.
Fonte: Associação de Justiça Terapêutica.
Acesse: http://www.anjt.org.br/index.php?id=99&n=81

TC e protocolo para a DEPENDÊNCIA QUÍMICA



Cory Newman, PhD (Diplomado em Psicologia Comportamental pelo Conselho Americano de Psicologia Profissional. Diretor Clínico do Centro de Terapia Cognitiva. Professor Associado de Psicologia em Psiquiatria. Membro Fundador da Academia de terapia Cognitiva)Tradução: Carla Andrea Serra Revisão da Tradução: Ana Maria Serra, PhD A terapia cognitiva (TC) pode representar uma importante aliada no tratamento de pacientes dependentes, especialmente se habilmente combinada com farmacoterapia e terapia de apoio em grupo. Este estudo focalizará as habilidades adquiridas em TC e os meios pelos quais estas podem ser utilizadas no tratamento do abuso de substâncias e da dependência química. O modelo da TC para a dependência química, descrito por Beck, Wright, Newman & Liese (1993), expõe sete principais áreas potenciais de intervenção, que são descritas a seguir.


Situações de alto risco, externas e internas Aos pacientes é prescrita a tarefa de avaliar as “pessoas, lugares e coisas” que eles associam ao seu uso de drogas. Essas são as situações externas de alto risco, com as quais os pacientes devem tentar limitar o seu contato. Exemplos podem incluir o primo com quem o paciente injetava heroína (“pessoas”); a esquina onde costumava comprar suas pílulas (“lugar”), e o cachimbo especial que costumava utilizar para consumir crack (“coisas”). Os pacientes são encorajados de forma ativa a estruturar suas vidas, a fim de que possam evitar ao máximo esses estímulos externos de alto risco. Terapeutas cognitivos ensinam seus pacientes a estarem conscientes de seu processo de tomada de decisões, a fim de que possam planejar o seu dia de forma deliberada, a fim de maximizar ordem e previsibilidade, e reduzir as chances de contato “acidental” com altos riscos externos. Entretanto, nem todos estes estímulos são perfeitamente evitáveis, e os pacientes terão de aprender habilidades de enfrentamento que os ajudarão a se manterem abstinentes, mesmo se tiverem contato inadvertido com tais estímulos. Os estados de humor do paciente representam suas situações internas de alto risco. Muitos pacientes são intolerantes a desconfortos e tentarão anestesiá-los com álcool e outras drogas, na tentativa de não se sentirem ansiosos, sozinhos, deprimidos, entediados, culpados, envergonhados ou bravos. Esses estados internos precisam ser gerenciados através de medidas cognitivas e comportamentais apropriadas, a fim de que o paciente possa maximizar suas chances de continuar abstinente. É nessa área que as técnicas da TC padrão para ansiedade e depressão são aplicáveis, conforme ilustrado em estudos nos quais a sua aplicação no tratamento da dependência química foi diferencialmente eficaz para pacientes que eram também depressivos. Da mesma forma, alguns pacientes tentam aumentar os seus sentimentos positivos com álcool e outras drogas, a fim de celebrar, mas também (talvez) para evitar o seu medo de enfrentar sua vulnerabilidade em um estado sóbrio.


Crenças disfuncionais sobre drogas, e a respeito de si mesmo em relação a drogas Terapeutas cognitivos ajudam pacientes a acessar e modificar suas crenças errôneas sobre as substâncias psicoativas. Algumas dessas crenças mal-adaptativas relacionam-se às próprias substâncias, como, por exemplo, quando pacientes acreditam que “você não se torna um alcoólatra apenas por tomar cerveja” e “cocaína é segura se você cheirá-la e não fumá-la”. Outras crenças disfuncionais referem-se às relações do paciente com as drogas, como, por exemplo, “se eu parar de tomar drogas, não terei mais amigos”. Talvez as crenças mais difíceis de abordar são aquelas que são sugestivas de um diagnóstico duplo, como, por exemplo, o paciente que acredita “eu sou uma má pessoa e não mereço ter uma vida normal, por isso não me importo se estragar a minha vida ou morrer”. Intervenções em TC devem focalizar não somente o uso de drogas pelo paciente, mas também sua baixa auto-estima, desamparo e tendência suicida.


Pensamentos automáticos que aumentam a fissura e intenção de utilizar drogas Esses são os pensamentos e imagens instantâneos que os pacientes têm em situações, nas quais teriam a oportunidade de consumir álcool ou outras drogas. Freqüentemente, estes são pensamentos breves e exclamatórios, tais como “quem se importa?”, ou “preciso de algo agora”. Tais pensamentos levam a um aumento na ativação do sistema nervoso autônomo do paciente (por exemplo, suor, respiração pesada) e a um aumento na fissura pela substância química. Em TC, os pacientes são ensinados a reconhecer a sua tendência a esses pensamentos automáticos, bem como a preparar “respostas” para eles, a fim de reduzir a fissura, relaxar e poder refletir com mais cuidado sobre a situação.


Fissuras fisiológicas Essas são sensações fisiológicas que geram uma sensação desconfortável e não resolvida de “ativação” ou “apetite”, motivando o indivíduo a alterar seu estado mental através do uso de substâncias psicoativas (Newman, 2004). Muitos pacientes acreditam que não podem enfrentar sua fissura e que não “têm escolha”, a não ser satisfazer seu desejo. Estão erroneamente convencidos de que seus desejos irão aumentar perigosamente e atingir o ponto de um “breakdown” mental ou físico, em que a “única saída” para seu alívio é render-se aos desejos e à vontade de beber e usar drogas. Os terapeutas cognitivos educam seus pacientes sobre a natureza cíclica (não linear) de sua fissura (Newman, 1997), indicando que a fissura alcança um ponto máximo e então diminui por si mesma. Pacientes podem ajudar-se a si mesmos, enquanto esperam que sua fissura diminua, aprendendo uma técnica conhecida como “distrair e adiar”, na qual eles desviam sua atenção a uma lista de tarefas significantes e de alta prioridade (por exemplo, retornar ligações importantes) ou prazeres pequenos e não-aditivos (ouvir música), até que os desconfortáveis desejos e compulsões diminuam naturalmente. Os pacientes aprendem que, cada vez que permitem à fissura seguir seu curso natural, sem “satisfazê-la” com álcool ou outras drogas, eles estão sendo bem sucedidos na redução da força média de fissuras futuras, através de um aumento gradual no domínio sobre elas. Entretanto, os pacientes devem ser alertados de que certas situações de alto risco ocasionalmente causarão desejos e compulsões de, por exemplo, reforçar uma bebida com álcool. Nesses casos, devem ter prontamente à mão um plano de enfrentamento e podem necessitar estar preparados para contatar seu sistema de apoio de emergência.


Crenças de permissão que os pacientes utilizam para justificar o uso de drogas Freqüentemente os pacientes lutam contra o conflito psicológico referente à escolha de beber e usar drogas ou de se abster. Eles querem lutar em direção à meta da abstinência, mas também querem reduzir a dor da retirada da substância e voltar a experienciar as alterações mentais associadas aos efeitos de drogas ilícitas. Uma das formas mal-adaptativas que os pacientes utilizam para resolver esse conflito é por meio de suas crenças de permissão, em que eles dizem a si mesmos que não há problema em beber e usar drogas essa vez. Exemplos dessas crenças de permissão são:
só usarei um pouquinho;
ninguém ficará sabendo dessa vez;
tenho-me comportado bem há um bom tempo, portanto agora eu mereço “ficar alto” (usar drogas);
só vou testar-me para ver se agora consigo dominar a vontade de usar essa droga. Essas crenças favorecem o uso da droga e, conseqüentemente, atuam como uma grave ameaça à sobriedade, mesmo em pacientes que expressam desejar tratamento para abandoná-la. Para contra-atacar essas crenças de permissão, pacientes em TC precisarão desenvolver respostas racionais claras, não-ambíguas e bem treinadas, que favorecem a abstinência. Essas respostas podem ser escritas em cartões ou praticadas verbalmente em forma de “role-play” com o terapeuta. Exemplos de respostas racionais (às crenças disfuncionais acima) são:
Não existe somente um único “uso”. Este levará a mais “usos”, que significarão problemas.
Saberei que usei e isso me perturbará e outros descobrirão de qualquer forma.
Necessito manter minha sobriedade. Mereço uma vida melhor e não retornar a usar drogas.
Testar-me é uma armadilha para o fracasso. O verdadeiro teste é continuar nesta linha, que já completa 35 dias.


Rituais e estratégias comportamentais generalizadas, associadas ao uso de drogas Quando terapeutas formulam uma conceituação cognitiva do caso de seus pacientes dependentes, eles também avaliam os rituais comportamentais nos quais os pacientes se envolvem, associados ao seu uso de álcool e outras drogas. Esses comportamentos podem ocorrer no âmbito social (por exemplo, ir a um bar específico em um certo horário da noite), e/ou no âmbito individual ( montar sua parafernália para uso da droga no banheiro, com o chuveiro ligado e a porta fechada). As intervenções nessa área têm como objetivo evitar, abortar, interromper ou contra-atacar o progresso de tais rituais. Isto tipicamente envolve uma grande dose de motivação, a fim de re-estruturar suas rotinas, a fim de que as aquisições de álcool e outras drogas se tornem o mais inconveniente possível. Por exemplo, os pacientes podem comprometer-se a esvaziar suas casas de álcool, drogas e equipamentos relacionados a drogas; a estruturar sua rotina diária para que estejam em companhia de pessoas sóbrias; e a estar sempre em contato com outros, comunicando onde estão.


Reações psicológicas adversas a lapsos e recaídas Caso o paciente recaia no uso de drogas, ele ainda terá a oportunidade de limitar o dano e fazer um novo compromisso de manter a sobriedade. Infelizmente, suas fissuras agora serão mais fortes, suas funções cerebrais executivas estarão afetadas e muitas de suas crenças disfuncionais serão ativadas (por exemplo, “sou um fracasso sem esperanças e nunca me recuperarei”). A despeito disso, o uso de álcool e drogas compreende muitas decisões distintas, qualquer das quais poderá referir-se a uma auto-instrução para parar. Conseqüentemente, é errôneo para os pacientes acreditar que eles não podem parar de beber ou de usar drogas, uma vez que tenham começado; um lapso que os leva a beber e usar drogas não necessariamente se tornará uma completa recaída. Os pacientes em TC aprendem a estudar seus lapsos, ao invés de sentir-se desamparados. Eles registram dados a respeito de seus lapsos, o que usaram, quanto, quem os acompanhava, quais foram suas “crenças de permissão”, como se sentiram etc. Esses dados constituirão uma parte importante da agenda da sessão seguinte, de modo que o paciente possa aprender lições importantes de seu lapso. Os pacientes aprendem que a abstinência é o seu melhor resultado, e que os lapsos não devem ser tratados como uma catástrofe. Ao contrário, seus efeitos prejudiciais podem ser limitados, desde que o paciente utilize seus recursos de enfrentamento e se comprometa novamente com o programa de tratamento.


Fonte: Elaboração: Ana Maria Serra, PhD.ITC – Instituto de Terapia Cognitiva, São Paulo-SP Coordenação: Claudia StellaPsicóloga Clínica, Doutora em Educação, Docente em Psicologia e Editora da revista Psicologia Brasil. Módulos: 8 módulos publicados nas revistas Psicologia Brasil (Editora Criarp)