Estudo realizado pela Unifesp mostra que o indivíduo que inicia o uso da maconha ainda na adolescência apresenta mais prejuízos na formação de conceitos abstratos e na flexibilidade cognitiva, aspectos relacionados ao funcionamento executivo do cérebro. Os resultados sugerem maior vulnerabilidade para efeitos neurotóxicos da maconha em uma fase mais precoce do neurodesenvolvimento – como a adolescência – do que em adultos.
Realizada com 128 indivíduos com dependência ou abuso de maconha (abstinentes e não-abstinentes) em tratamento na Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (Uniad) da Unifesp e com 32 não-usuários da substância, a pesquisa aponta os prejuízos que a maconha proporciona ao cérebro do usuário no que diz respeito ao funcionamento executivo.
A neuropsicóloga Priscila Previato de Almeida, autora da dissertação de mestrado, explica que as funções executivas permitem ao homem desempenhar, de forma independente e autônoma, atividades dirigidas a um objetivo específico, englobando ações complexas, associadas ao funcionamento dos lobos frontais.
Sob a orientação de Acioly Lacerda, professor do programa de pós-graduação do Departamento de Psiquiatria da Unifesp, a pesquisadora aplicou testes específicos para avaliação de funções executivas e verificou que os usuários não-abstinentes levaram um tempo maior para a execução dos testes, quando comparados aos que estavam longe das drogas entre um e sete dias e entre oito e 25 dias. Quando esses dois grupos foram comparados ao grupo controle (não-usuários), ambos mostraram resultados inferiores.
Os não-abstinentes demoraram mais tempo para executar as tarefas que o grupo controle, completaram menor número de categorias e apresentaram mais erros nos testes. “Os resultados sugerem que os usuários crônicos de maconha parecem apresentar prejuízos no funcionamento cerebral quanto à capacidade de raciocínio abstrato, organização e flexibilidade mental e que esses prejuízos estão presentes mesmo após um período médio de 14 dias de abstinência”, afirma Priscila. “Isso significa que o déficit verificado durante a intoxicação aguda persiste mesmo em sujeitos que se mantiveram em abstinência por um período superior a uma semana, representando possíveis efeitos residuais no cérebro relacionados ao uso crônico de maconha”.
De acordo com a pesquisadora, não se pode, entretanto, afirmar que esses déficits são irreversíveis, pois não há trabalhos que mostrem que eles permaneçam após um período mais prolongado de abstinência. “Apesar de os resultados não indicarem prejuízos incapacitantes, eles podem ter relevância clínica e impacto na vida diária desses sujeitos, tanto no aspecto sócio-ocupacional quanto na maneira como o indivíduo lida com a questão do uso de substâncias”, explica. “Diferentes estudos têm mostrado que alguns problemas no funcionamento neuropsicológico podem influenciar negativamente a motivação para o tratamento e adesão a programas de recuperação, aumentando as chances de recaída”.
Impacto do uso precoce no cérebro
A neuropsicóloga também avaliou os possíveis efeitos de variáveis clínicas como a idade em que os usuários usaram maconha pela primeira vez. Os resultados mostraram que o impacto da droga no cérebro de menores de 17 anos é bem mais acentuado quando comparados àqueles que iniciaram o uso da maconha depois dessa idade.
Quando os resultados desses dois grupos de usuários foram comparados, isoladamente, com o grupo controle (não-usuários), verificou-se que os adolescentes que iniciaram o uso da maconha precocemente completaram menor número de categorias e fizeram maior número de erros. Entretanto, quando foram comparados os resultados do desempenho nos testes neuropsicológicos do grupo no qual o primeiro uso ocorreu antes dos 17 anos com o grupo que iniciou após essa idade, a pesquisadora não encontrou diferenças significativas.
Número de “baseados” X prejuízos neuropsicológicos
Outra análise realizada por Priscila incluiu o número de cigarros de maconha consumidos ao longo da vida e possíveis prejuízos neuropsicológicos. O grupos foram formados por indivíduos que fumaram menos (grupo 1) e mais (grupo 2) que 5 mil cigarros na vida.
O critério utilizado de 5 mil episódios de uso foi o mesmo de estudos internacionais que caracterizam o uso pesado, o que equivale a fumar ao menos uma vez por dia, durante 13 anos. Os grupos apresentavam, em média, 3,88 dias de abstinência, no momento da avaliação.
Os achados apontam que tanto os usuários que fumaram menos que 5 mil vezes quanto os que fumaram mais que esse número de cigarros de maconha ao longo da vida apresentaram pior desempenho em relação ao funcionamento executivo. Entretanto, os usuários do grupo 2 também mostraram déficit na atenção seletiva. “Estes resultados sugerem que, além da disfunção executiva, que aponta dificuldades na habilidade de solucionar problemas e criar estratégias, os sujeitos que fazem uso pesado e por períodos mais longos apresentam prejuízos também na atenção”, afirma a neuropsicóloga.
Fonte: Unifesp
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